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A noite de sábado marcou uma reviravolta na vida do Coliseu do Porto. Ou melhor dizendo, Coliseu Porto, sem do. A FLIC (Festa de Lotação Ilimitada do Coliseu) devolveu ao público portuense salas há muito encerradas, nomeadamente o Salão Jardim e o Salão Ático. A programação diversificada – embora totalmente nacional – que pretendia juntar vários nichos de público, acabou por criar desequilíbrios de audiência ao longo dos espectáculos – ora salas lotadas, ora salas praticamente vazias.
E Fachada sofreu. No Salão Ático, os problemas técnicos de som fizeram-se sentir através de reverberações insuportáveis, o que quase levou o cantautor a perder a paciência. Aliado a isso, um burburinho constante do público tornava ainda mais difícil, se não impossível, a tarefa de tão simplesmente assistir ao concerto. Apesar das condições, Fachada passeou-se, sem grandes piadas entre canções, entre os álbuns Há Festa na Moradia!, Criôlo e o último, B Fachada. O estilo expressivo, inconstante e, por vezes performativo, que já todos lhe conhecem, traduziu-se na redenção de algo que estaria perdido por natureza. Da música tradicional portuguesa guardou a lição bem guardada, sendo prova disso as reminiscências de marchas (d’A Carvalhesa até) em “Pifarinho”, dos malhões em “Joana Transmontana”. E a secção rítmica, ajudada pelos samples em loop, confirma: muito mais Fausto que Godinho. Contudo o concerto terminou aludindo a outras lusofonias, com o afrobeat de “Crus” a fazer mexer os corpos mais desenvoltos.
Num Salão Jardim lotado, os Black Bombaim provaram mais uma vez que não enferrujam. Por mais concertos que dêem não se deixam atropelar pelo conformismo enfadonho. Antes pelo contrário, a coesão torna-se cada vez mais nítida. Entre fases vertiginosas e fases de interlúdio, o ritmo e a melodia das músicas remetem-nos para uma viagem flutuante aos desertos nos trópicos sem qualquer paragem. Sim, há qualquer coisa de ficção científica aqui. E não, não é só o uso experimental da guitarra. Nos solos quase parece reclamar atenção num choro insuportável, nos riffs é o front-man que não existe. Tudo isso só é possível porque a bateria e o baixo mantém uma harmonia absolutamente inquebrável e estrutural. Transe, hipnose… Chamem-lhe o que quiserem porque afinal não é importante.
Numa altura em que o hip-hop começa a ressurgir nos circuitos de música alternativa – relegando até o indie para segundo plano – nem sempre o que é nacional é reconhecido. Vindos de Gaia, os Dealema são uma das formações mais importantes do género em Portugal e contam já com quase dez anos de existência. Apresentaram-se na sala principal do Coliseu como “colectivo dealemático” e deram as boas-vindas ao público com “Mais uma Sessão”. A partir daí, foi um desfile de êxitos (ou clássicos, como dizia um dos elementos acerca de uma das canções) do hip-hop tuga: de “Talento Clandestino” a “Sala 101”, passando ainda por “Escola dos 90” e por “Brilhantes Diamantes”, com a presença de Ace (dos Mind da Gap, que actuaram antes). Cáusticos e iguais a si mesmo, ironizam a situação da indústria musical, o populismo nos media, o novo riquismo e a falta de moralidade nas pessoas. Profundamente gratos por voltarem a tocar “em casa” e satisfeitos pelo Coliseu ter sido devolvido à cidade, afirmaram que era sem dúvida um momento especial do qual dificilmente se iriam esquecer. Os Dealema são os mesmos de sempre, e isso é raro.
De volta ao rock, Paulo Furtado, isto é, The Legendary Tiger Man subiu ao palco principal em formato trio, acompanhado por um saxofonista e um baterista. Apesar das incursões pelo blues e até pelo jazz, o imaginário mor do músico é tipicamente americano e convoca mulheres, paixão, viagens, vermelho e rock’n’roll. Como pano de fundo estavam projectadas imagens gravadas por Paulo Furtado com uma Super 8, e misturadas por Rodrigo Areias, algumas das quais contavam com a participação de Maria de Medeiros e de Sofia Aparício. A energia e as constantes provocações do músico foram conquistando, ao longo do concerto, as centenas de pessoas que preenchiam meia plateia do Coliseu, atingindo o auge com o clássico ‘These Boots are Made for Walking’. Já no final, homenageou o próprio rock’n’roll com – e passo a redundância – “Twenty First Century Rock’n’roll”, numa malha bem à maneira de uns The Gories ou The Sonics. A festa continuou noite dentro com os Gin Party Sound System, que quebraram as normas e levaram o público até ao palco do Coliseu Porto.
(fotos: Bruna Lírio Loureiro)
Texto de Alexandra João Martins