Se achas importante o que fazemos, contribui aqui.
Foi em Storyville, cidade que foi, entre 1897 e 1917, o red light district de Nova Orleães, cidade-mãe do jazz, que nasceu a relação entre a música e a marijuana. Segundo o historiador Ernest Abel, foi em 1909 que se premiu pela primeira vez o botão record enquanto os músicos na sala em frente à régie estavam sob o efeito de cannabis.
É preciso viajar até aos famosos clubes da cidade, onde a música servia de pano de fundo para o convívio movido a álcool, para perceber como é que a erva entrou na cena jazz. Ao contrário da bebida, que deixava os músicos demasiado incapacitados para tocar, a marijuana inspirava-os e tornava a perfomance mais fluída e criativa. O consumo de erva entre os músicos de jazz e swing continuou a crescer até ao cannabis ter sido banido de Nova Orleães em 1923 e, por consequência, de todo o estado do Lousiana quatro anos depois.
No entanto, a música e a marijuana continuaram a andar de mãos dadas até aos dias de hoje, e a influência que esta droga teve nos músicos é bem visível na música moderna nas mais variadas gravações e nos mais variados momentos. Segundo reza a lenda, foi com o próprio Bob Dylan, num hotel em Nova Iorque, que, em 1964, os Beatles fumaram pela primeira vez. A partir desse momento, a carreira dos quatro rapazes de Liverpool nunca mais foi a mesma.
O Shifter procurou reunir 10 canções compostas enquanto os músicos estavam sob a influência de marijuana, homenageando e relembrando assim todas as coisas boas que esta droga já trouxe à inspiração dos mais variados artistas ao longo do tempo. Desde o reggae, onde os acordes em contratempo precisam da erva para assumir um ritmo descontraído e liberal, ao hip hop, onde as referências à weed são uma constante, ao rock, cuja influência da cannabis tem o poder de juntar os riffs mais pesados e lentos a paisagens psicadélicas coloridas repetidas infinitamente.
1 – Gabriel O Pensador, “Cachimbo da Paz”
É mais que uma música inspirada pela erva, é uma música sobre erva. Um ensaio sobre a legalização que não deixa de fora as questões dos interesses controversos. Cachimbo da paz é um hino à marijuana e à maresia…
2 – Pavement, “Grounded”
Em Wowee Zowee, o terceiro longa duração dos Pavement, a banda adoptou um estilo (ainda) mais excêntrico do que aquele que tinha sido apresentado em trabalhos anteriores. A crítica atribuiu esta mudança na sonoridade da banda a um medo do sucesso que começava finalmente a brilhar sobre o grupo, mas o frontman Stephen Malkmus interpreta as composições feitas durante este período de maneira diferente; o consumo excessivo de marijuana foi uma influência e está reflectido na natureza ecléctica das músicas do álbum. “Grounded”, originalmente composto na altura de Crooked Rain, Crooked Rain, aparece na primeira metade de Wowee Zowee a um tempo mais lento do que na gravação original, e com uma letra ainda mais impenetrável.
3 – The Underachievers, “Herb Shuttles”
É o som de um novo olhar sobre a erva. A associação das características psicoactivas a fenómenos de transcendência e a uma visão elevada do mundo.
4 – Eminem, “Under The Influence”
“So you can suck my dick if you don’t like my shit / Cause I was high when I wrote this so suck my dick”. É preciso acrescentar mais alguma coisa?
5 – Tame Impala, “Solitude Is Bliss”
Não é arriscado dizer que, muito provavelmente, todas as músicas de Tame Impala foram escritas sob a influência de marijuana. Seja pelas opções sónicas tomadas, como o phaser das guitarras, a bateria simples e repetitiva ou os delays atmosféricos, a composição, que se desenvolve muitas das vezes para longas jams instrumentais, onde o propósito da criação de uma massa sónica capaz de tomar controlo do ouvinte se sobrepõe à importância das melodias, ou mesmo por muitas das letras. Neste caso, há uma festa na cabeça de Kevin Parker e mais ninguém está convidado. Escusado será dizer quem é o anfitrião.
6 – MGMT, “Siberian Breaks”
A faixa mais ambiciosa de Congratulations, o segundo álbum dos norte-americanos, traz-nos 12 minutos de rock psicadélico. “Oh Marianne pass me the joint” ouve-se a dada altura.
7 – B Fachada, “Quem Quer Fumar Com O B Fachada?”
Não temos a certeza em relação a esta, mas não íamos ficar contentes sem incluir o Tio B nesta lista. Já agora, nós queremos.
8 – Sublime, “Let’s Go Get Stoned”
Sublime é daquelas bandas que foram capazes de criar algo enorme à sua volta e influenciar inúmeras bandas que a si se seguiram. A honestidade e ingenuidade com que faziam música, bem como o carácter muito próprio da banda e as causas que defendiam, tornaram-na num ícone dos anos 90, do ska, punk e reggae, e de toda a comunidade stoner dos Estados Unidos. As referências à erva são mais que muitas e “Let’s Go Get Stoned” é só mais um exemplo da importância que esta planta tinha para a banda. “Smoke Two Joints” pode ser a primeira a vir à cabeça quando se pensa nisto, mas “Let’s Go Get Stoned” brinda-nos com uma atmosfera muito mais psicadélica, bem como com um solo de guitarra que nos leva acreditar que o número de charros fumados antes de entrar para estúdio foi um pouco maior neste caso. Bora lá ficar pedrados!
9 – Electric Wizard, “Funeralopolis”
Não incluir stoner rock nesta lista seria um crime. Nós quisemos incluir uma música de um dos mais importantes álbuns de stoner de sempre. Dopethrone é um dos grandes momentos da banda e é altamente influenciado pela erva. Em “Funeralopolis”, conseguimos inclusivé ouvir um bongo no início da gravação.
10 – Green Day, “Green Day”
“A small cloud has fallen / The white mist hits the ground / My lungs comfort me with joy / Vegging on one detail / The rest just crowds around / My eyes itch of burning red.” É bastante perceptível qual o tema sobre o qual se centra esta letra, escrita pelo vocalista Billie Joe Armstrong. A música é de 1990, do primeiro LP dos californianos, altura em que uma das bandas mais bem-sucedidas do punk hoje em dia ainda se chamava Sweet Children. Mas a expressão Green Day, que significa algo como “dia passado a fumar ganzas”, encaixava tão bem no espírito do grupo, que rapidamente substituiu o nome original.
(contribuições: José Crespo, João Ribeiro, Sara Dâmaso, André Isidro e Luís Medeiros)