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Foi na quarta-feira que uma série de tweets anunciaram a última decisão polémica de Donald Trump. O presidente dos Estados Unidos da América (EUA) pretende proibir outra vez os cidadãos transexuais de servirem as forças armadas norte-americanas. A decisão terá sido tomada depois de consultar “os generais e especialistas militares” e serve para evitar “tremendos custos médicos e perturbações” que a integração de transexuais implicariam. Apesar disso, de acordo com o The New York Times, o secretário da defesa, Jim Mattis, foi informado na véspera sobre a decisão.
After consultation with my Generals and military experts, please be advised that the United States Government will not accept or allow……
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) July 26, 2017
….Transgender individuals to serve in any capacity in the U.S. Military. Our military must be focused on decisive and overwhelming…..
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) July 26, 2017
….victory and cannot be burdened with the tremendous medical costs and disruption that transgender in the military would entail. Thank you
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) July 26, 2017
Por agora, a decisão foi anunciada mas não está a ser aplicada. Joseph Dunford, chefe de Estado Maior das Forças Armadas, disse que não vai aplicar a medida até nova ordem. “Não haverá qualquer modificação na atual política até que o secretário da Defesa receba uma ordem do Presidente e emita directrizes para a aplicar”, garantiu numa comunicação interna citada pelo Observador.
Sarah Sanders, porta-voz da Casa Branca, tentou esclarecer algumas das questões sobre a medida. Sanders explicou que o presidente considera a decisão a melhor para as forças armadas para garantir “preparação e coesão militar”, de acordo com a Bloomberg. Trump não terá achado necessário esperar pelos detalhes para fazer o anúncio uma vez que a decisão estava tomada, mas com pouco cuidado.
O NYT contactou oito membros do Departamento de Defesa e nenhum conseguiu explicar o que vai acontecer aos actuais membros transexuais das forças armadas. O jornal indica que a Casa Branca “não conseguiu dar resposta a perguntas básicas”. A decisão terá apanhado de surpresa políticos e membros do Pentágono. As motivações deverão estar relacionadas com as críticas de alguns republicanos ao pacote orçamental para a Defesa que inclui gastos de saúde para militares transexuais (como tratamentos hormonais).
Segundo uma declaração da Rand Corporation, empresa que desenvolve estudos para o Departamento de Defesa dos EUA, havia entre 1320 e 6630 indivíduos transgénero a servir as forças armadas no ano passado. No entanto, o estudo (da mesma empresa) citado pelo Público estima que haja entre 2500 e 7000 transexuais no activo e entre 1500 e 6000 na reserva. Os números variam bastante, existindo outros estudos que apontam os 15 mil como o número de indivíduos transexuais nas forças armadas.
John McCain, herói de guerra e ex-candidato presidencial republicano, lembra os cidadãos já integrados nas equipas militares. Os membros das equipas que cumprem requisitos médicos “devem poder continuar a servir e devem ser tratados como os patriotas que são“. McCain, que dirige a comissão das forças armadas, critica a forma como Donald Trump comunica: “O tweet desta manhã do Presidente em relação aos cidadãos transgénero nas Forças Armadas é outro exemplo que mostra o porquê de os grandes anúncios de políticas não poderem ser feitos no Twitter. A declaração não é clara“.
so, biggest baddest most $$ military on earth cries about a few trans people ? but funds the F-35? ? sounds like cowardice ??? #WeGotThis
— Chelsea E. Manning (@xychelsea) July 26, 2017
A transexual e ex-soldado Chelsea Manning também reagiu à notícia. Num artigo no NYT, Manning considera que o anúncio tem um grande impacto “na credibilidade dos serviços militares dos EUA para os próximos anos”. O artigo faz um balanço negativo da actualidade e do cenário político para as pessoas transexuais, mas tem um tom optimista para o futuro. “Nós não somos transtornos nem dispendiosos. Somos seres humanos e não vamos ser apagados ou ignorados“, conclui Chelsea que foi indultada em maio, depois de condenada por revelar segredos dos EUA no site Wikileaks.
There are 15,000 patriotic transgender Americans in the US military fighting for all of us. What happened to your promise to fight for them? https://t.co/WzjypVC8Sr
— Caitlyn Jenner (@Caitlyn_Jenner) July 26, 2017
Também Caitlyn Jenner reagiu no seu site oficial. “O presidente pretende simplesmente retirar 15 mil pessoas de posições críticas onde estão alocadas? Isso põe em causa missões militares essenciais em todo o mundo e põe em perigo as nossas tropas”, questiona. Caitlyn – que sempre apoiou publicamente Donald Trump – também lembra que há 19 países onde é permitido que os cidadãos transgénero se juntem às forças armadas.
O estudo da Rand estima custos de saúde entre os 2,4 milhões e os 8,4 milhões de dólares – um aumento de aproximadamente 0,13 por cento. A Bloomberg põe o valor em perspetiva: trata-se de 0,0014 por centro da proposta para o orçamento total da defesa norte-americana. O The Washigton Post também dá uma perspetiva diferente: o Pentágono gasta 84 milhões de dólares em viagra e medicamentos para a disfunção eréctil – mais do que gastaria com tropas transexuais.
Pleased to hear that @realDonaldTrump shares my readiness and cost concerns, & will be changing this costly and damaging policy #readiness
— Rep. Vicky Hartzler (@RepHartzler) July 26, 2017
O outro lado da moeda – a defesa da medida
Mas também há quem apoie a ideia usando dados financeiros como argumento. A republicana Vicky Hartzier tem sido a apoiante mais citada nos meios de comunicação. “Estudei este assunto e a medida vai custar 1,35 mil milhões de dólares nos próximos dez anos, para cirurgias de indivíduos transgénero”, contou à Blitzer, citada pela CNN. A representante afirmou que os cálculos foram feitos pelo próprio escritório, mas adianta outro número avançado pela Family Research Council: 3,7 mil milhões de dólares. “A questão é: devemos gastar dinheiro dos contribuintes em cirurgias de redesignação sexual quando temos soldados que não têm armaduras ou armas?“, defende Vicky Hartzier.
Hartzier comparou indivíduos trangénero a pessoas com problemas médicos. “Neste momento, há pessoas que não podem servir militarmente com asma ou pé chato. Por isso, por que deveríamos permitir indivíduos, apesar de muito patriotas, mas com problemas médicos que podem ser dispendiosos? Não devíamos fazer excepções neste caso“. A representante republicana fez uma proposta para remover do orçamento militar cirurgias ou tratamentos hormonais – a proposta foi derrotada por pouco (209-214). Hartzier diz que a derrota pode ter sido devido a algumas ausências de membros republicanos.
Há ainda um artigo de opinião com humor à mistura do jornalista James Delingpole (no Breitbart) que defende a decisão, ou como o jornalista lhe chama: “a melhor coisa de sempre sem contar com todas as outras melhores coisas de sempre que o Trump já fez“.
Thank you to the LGBT community! I will fight for you while Hillary brings in more people that will threaten your freedoms and beliefs.
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) June 14, 2016
O tema da transexualidade tem sido debatido na opinião pública por causa da utilização de casas de banho em espaços públicos. Durante a campanha eleitoral, Donald Trump disse que as pessoas transgénero deveriam usar a casa de banho onde se sentissem mais confortáveis. Além disso, prometeu lutar pela comunidade LGBTQ: “Farei tudo no meu poder para proteger os nossos cidadãos LGBTQ“. No entanto, em Fevereiro, o Presidente anulou a medida que permitia a utilização de casas de banho nas escolas públicas de acordo com as preferências de identidade de género.
A proibição de transexuais nas forças armadas tinha sido cancelada em 2016, ainda na administração de Barack Obama. Ash Carter, então Secretário de Estado da Defesa, deu um ano de revisão (até dia 1 de Julho de 2017) para o Pentágono estudar a integração dos recrutas. “Estamos a falar de americanos talentosos que estão a servir com distinção ou que querem essa oportunidade. Não podemos permitir que barreiras não relacionadas com as qualificações nos impeçam de atingirmos a nossa missão“, explicou Carter na altura, citado pela Bloomberg.

Entretanto, a data foi adiada por seis meses pelo Secretário de Defesa atual, Jim Mattis, para dar tempo aos líderes militares de estudarem os impactos da medida. Os resultados deste estudo só vão ser conhecidos em Dezembro.
Jim Mattis tem lançado uma série de memorandos sobre o estado da defesa norte-americana, de acordo com o Breitbart. As mensagens apelam a uma mudança de prioridades e a um maior foco no orçamento e na eficácia das forças armadas. “Só através de disciplina orçamental, do estabelecimento de uma cultura de consciência de custos e da responsabilização é que podemos ganhar a confiança do Congresso e dos americanos”, cita o jornal de extrema-direita. Um dos casos será o “desperdício de 28 milhões de dólares em uniformes afegãos de camuflagem que não cumprem o propósito em terreno afegão“.
O mês do orgulho LGBT foi celebrado em Junho e contou com uma mensagem interna de um secretário do Departamento de Defesa dos EUA: “As dificuldades, os sacrifícios e os sucessos da comunidade LGBT continuam a dar forma à nossa história e lembram-os de manter a tolerância e a justiça para todos“.
Antes da directiva de Barack Obama, as pessoas que não se identificavam com o género atribuído à nascença tinham de manter a identidade de género em segredo para servirem as forças armadas. Este é mais um capítulo da história do abandono do binómio homem-mulher e suas consequências na sociedade.