Marielle Franco era uma vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL –Partido Socialismo e Liberdade. Morreu esta madrugada num tiroteio na região central do Rio, com pelo menos 4 tiros de metralhadora, num incidente que a polícia está a investigar como premeditado. Nascida e criada na favela da Maré, formou-se em sociologia e Administração Pública. Trabalhou em organizações da sociedade civil e coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, ao lado de Marcelo Freixo. Conseguiu, entre muitos outros, o feito histórico de ser uma mulher negra, moradora de favela, eleita vereadora da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, com 46.502 votos – desafiando a política local e brasileira ao reunir o quinto maior número de votos entre os membros do conselho quando foi eleita em 2016.
O que está acontecendo agora em Acari é um absurdo! E acontece desde sempre! O 41° batalhão da PM é conhecido como Batalhão da morte. CHEGA de esculachar a população! CHEGA de matarem nossos jovens! pic.twitter.com/SrSycFE5Sl
— Marielle Franco (@mariellefranco) March 10, 2018
Nos últimos tempos, focava a sua luta social nos casos de abuso de força policial. No Sábado, denunciou uma acção da polícia militar na Favela de Acari, que segundo a vereadora, estaria a ser demasiado violenta.
Foi baleada dentro de um carro quando ia para casa, depois de sair de um evento sobre representatividade negra na zona da Lapa. Marielle e o motorista morreram no local, uma assessora que também seguia com eles foi levada para o hospital com ferimentos. Fontes da polícia dizem que os assassinos pararam num carro junto ao de Marielle, dispararam 9 tiros e fugiram sem levar nada.
Uma aplicação para a realidade
Eu postei essa informação no Fogo Cruzado às 21h36 desta quarta-feira. O Fogo Cruzado é um aplicativo que monitora a incidência de tiroteios e disparos de arma de fogo na região metropolitana do Rio de Janeiro e ao qual venho me dedicando nos últimos 2 anos.
Pouco depois da postagem, meu WhatsApp começou a receber mensagens. 21h51: “Mataram uma vereadora do PSOL e seu motorista agora. Rua do matoso esquina com rua joão primeiro”. 21h52: “Tem contatos no PSOL?”.
Paralisei e pensei: “Puta merda. Só tem uma vereadora no PSOL. Não pode ser a Marielle. Ela tava ao vivo no Facebook agora há pouco”.
A homepage mostra-nos um mapa aproximado ao Rio de Janeiro com a nota: “O mapa apresenta as notificações dos últimos 7 dias, para visualizar um período diferente, utilize os filtros”.
É possível filtrar os tiroteios com vítimas fatais, com feridos, sem feridos ou ainda as situações de múltiplos tiroteios no mesmo local. O utilizador pode ainda pesquisar pela sua zona ou rua. A plataforma funciona como um banco de dados, gerido por Cecília, que todos os meses compila a informação recolhida para criar estatísticas da violência na região metropolitana do Rio de Janeiro.
O site e app foram melhorados em 2018 para garantir melhor usabilidade. Foi criado um alerta de notificações com base no GPS que avisa de tiroteios ou disparos nas proximidades, é possível consultar ocorrência por ocorrência, saber o número de agentes no local e até se a imprensa está presente. “Além de receber notificações de usuários diretamente via aplicativo, a equipe de gestão de dados do Fogo Cruzado recebe informações via whatsapp, mensagens diretas via Twitter e inbox do Facebook. No caso do whatsapp, só são consideradas fontes conhecidas e com as quais já existe relacionamento prévio, como coletivos, comunicadores e moradores ativos localmente.”
Quando chega a notificação de um tiroteio/disparo de arma de fogo, esta informação não é automaticamente publicada no mapa nem nas redes sociais da plataforma. A equipa de gestão de dados cruza as notificações com “scripts e filtros desenvolvidos para agregar informações (…) Desta forma, é possível saber quem, quando e onde está se falando sobre o assunto de forma a cruzar informações sobre um mesmo tiroteio/disparo de arma de fogo. Após tal verificação, a notificação é postada nas redes e o incidente fica em registro público.”
O detalhe com que a equipa do Fogo Cruzado analisa cada caso é demonstrativo da importância que cada uma destas situações vai ganhando na sociedade brasileira. Contra a banalização da violência mas pela sensibilização e consciencialização da que existe, a aplicação é o espelho de tudo o que está errado no Brasil, e de tudo o que precisa de ser feito para que, mergulhado numa crise política, de justiça e social há vários anos, o país consiga emergir e erguer-se, fazendo justiça por pessoas como a Marielle que, sem a conhecermos, já nos tinha representado vezes sem conta.