Pede a modernização do festival — ironizando que, este ano, o director de Cannes Thierry Fremaux, até as selfies baniu da passadeira vermelha — e propõe que a direcção se reúna com a comunidade mundial do cinema. Numa entrevista exclusiva à revista norte-americana da 7ª arte Variety, o director de conteúdos da Netflix, Ted Sandoros revela ainda que a gigante de streaming não vai estar presente na 71ª edição do Festival de Cannes. Em causa estão as novas regras de submissão de filmes a concurso que, na verdade, de novas têm pouco.
Uma polémica que começou no ano passado
A Netflix estreou-se em Cannes na edição do ano passado com a ida a concurso de duas produções próprias. Okja de Bong Joon-hos e The Meyerowitz Stories de Noah Baumbach. Quem assistiu à exibição dos filmes nas salas de cinema de Cannes diz que assim que o logótipo da Netflix apareceu no ecrã, o público se dividiu entre aplausos e vaias. A aclamação da crítica elevou a batalha a outro nível e abriu-se assim uma guerra entre cinemas: o tradicional e o moderno, o de Cannes e o da Netflix.
Na altura, a Netflix não tinha planeada a estreia em sala de nenhum dos filmes. A sua presença entre os nomeados foi altamente contestada pela Federação Nacional dos Cinemas Franceses e pelo júri, presidido por Pedro Almodóvar. O realizador espanhol disse mesmo que não daria a Palma de Ouro a um filme que não estreasse nos cinemas: “Pessoalmente não consigo conceber que a Palma de Ouro ou qualquer outro prémio seja dado a um filme que não podemos ver no grande ecrã”, disse Almodovar. “Isto não significa que não estou a aberto ou não celebro as novas tecnologias. Faço-o.” A organização do festival teve de reagir e acabou por decidir que, a partir deste ano, as regras iriam mudar: só poderiam competir filmes que tivessem garantia de estreia comercial nos cinemas em França.
Perante protesto dos sindicatos e donos de cinemas, a Netflix acabou por exibir os filmes em sala para amenizar a discussão, mas isso não demoveu a direcção de Cannes de vir sublinhar a lei francesa.
As novas regras
As novas regras foram oficialmente anunciadas no mês passado e estabelecem que, para estar na competição, um filme tem mesmo de ser distribuído nos cinemas franceses.
A lei francesa diz que: qualquer longa metragem a concurso só pode ir para as plataformas digitais 36 meses após o lançamento em cinema. Não respeitando as regras, a Netflix ficaria impedida de entrar na competição, mas Thierry Fremaux referiu que ainda podia participar no evento, exibindo filmes fora do concurso.
Agora, o responsável pelos conteúdos da gigante de streaming veio dizer à Variety que assim sendo, a Netflix não vai mesmo marcar presença no festival. Ted Sandoros diz que quer os seus filmes numa posição justa perante os dos outros cineastas e que o festival se deve modernizar. Diz ainda que não faz sentido marcar presença de outra forma porque há o risco de os artistas e técnicos presentes em Cannes para representarem o trabalho da Netflix serem “tratados de forma desrespeitadora”.
Questionado sobre a sua presença no festival, Sandoros diz que não estará presente, mas que certamente haverá representantes da empresa presentes, até porque a Netflix continua interessada em comprar os direitos de filmes em competição em Cannes para a plataforma: “Nós não descriminamos dessa maneira”.
A imprensa especializada falava de filmes como Roma, de Alfonso Cuarón, Hold the Dark, de Jeremy Saulnier, Norway, de Paul Greengrass e de dois títulos de e à volta de Orson Welles: The Other Side of the Wind, o seu filme incompleto, e o documentário de Morgan Neville They’ll Love Me When I’m Dead como os representantes da Netflix no festival francês.
A Netflix nunca se opôs categoricamente à ideia de exibir os seus filmes nos cinemas franceses, mas diz que esperar três anos para os poder ter disponíveis na plataforma é “absolutamente inviável”.
O serviço de streaming planeia lançar 80 filmes originais em 2018. A selecção completa do 71º Festival de Cannes é anunciada esta quinta-feira.