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Recentemente, a Google anunciou um Material Design novo, actualizado e mais fresco no Google I/O. Em material.io, definem-no como uma linguagem visual que sintetiza os princípios clássicos do bom design com a inovação da tecnologia e da ciência.
Lá podemos encontrar uma lista de directrizes genéricas, formais e funcionais, que podemos incorporar nos nosssos projectos de design digital. O Material Design é apresentado como uma linguagem universal e neutra, que todo e qualquer designer e programador deve colocar em prática.
Materialismo é o novo Modernismo?
Na história do design, a ideia de universalidade e neutralidade chega-nos do movimento modernista – ou design suíço –, o que, podemos supor, é o que o Google entende por “bom design clássico”.
O Modernismo surgiu após a carnificina da Primeira Guerra Mundial e foi construído a partir de um desejo utópico de alcançar uma linguagem universal, que sustente a comunicação harmoniosa entre todas as nações.

Se olharmos para o Material Design, podemos ver que ele é claramente influenciado pela estética e ideologia do Modernismo. Tanto que partilha a mesma atitude condescendente, com a Google a dizer a todos que é a melhor forma de fazer as coisas e a disponibilizar as ferramentas para tal.
Está tudo muito bem documentado e, com uma retórica de “código aberto”, a Google procura que todos sigam as suas directrizes. E isso pode ser um problema.

Estéticas puras e neutras
Quando apenas uma perspectiva domina o discurso do que constitui um bom design, as portas para as outras estéticas, diferentes desta, são fechadas. Todas as diferentes formas, cores, tipografias e outros elementos são cheios de significado e têm um profundo impacto cultural.
A ideia de uma estética neutra e pura é um mito. É por isso que, por exemplo, a cultura ocidental não reconhece a suástica Nazi como uma forma simples. É um tabu na história do design gráfico porque representa problemas sócio-culturais – a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto.
Da mesma forma, quando usamos o Material Design como uma estética para o design das nossas interfaces, não estamos apenas a fazer uma escolha cosmética. É uma escolha política. Estamos a representar a Google, independentemente do que isso signifique.
A Google é uma cooperação multi-nacional que representa uma cultura particular e o Material Design é apenas outro tentáculo do polvo que monopoliza a web.
É por isso que, mais que nunca, movimentos como o Web-Brutalism que têm a ousadia e a coragem de questionar essas “estéticas racionais”, definidas pela ciência e tecnologia, são muito relevantes. Fazem lembrar a era do Pós-modernismo.
Pós-modernismo: rejeitar a organização formal
O Pós-modernismo é um movimento amplo que começou nos anos 1970 e foi uma ruptura drástica das visões utópicas modernistas. Com uma atitude de cepticismo e ironia, rejeitou completamente a ordem racional e a organização formal. Acabaram-se as regras!


Se para os modernistas a forma deve seguir funções, para os pós-modernistas a forma é a função.
Precisamos de nos deixar inspirar por esse tipo de movimento e por outras tendências de design gráfico que venham de fora da cultura ocidental. A diferença e o contraste são essenciais para proporcionar uma web democrática e inclusiva.
Devemos deixar de usar frameworks como o Material Design ou o Bootstrap.

“A comunicação legível não deve ser nunca prejudicada por uma estética à priori.” – László Moholy-Nagy, The New Typography
A estética deve ser o resultado das necessidades dos nossos utilizadores e dos nossos objectivos de negócio.
Aprender com o design gráfico
É um facto que, quando chega a hora de criar produtos digitais para clientes específicos, é um risco “pensar fora da caixa”, uma vez que tememos falhar em dar uma boa experiência ao utilizador. No entanto, o desafio real é desenhar os mesmos modelos mentais com diferentes formas. Podemos inovar e também respeitar os padrões da web.
Hoje em dia, com ferramentas como o CSS Grid e o Flexbox, temos mais possibilidades de repensar layouts e aquilo que estes podem ser, tal como fizemos no passado com o Pós-modernismo e o Desconstrutivismo. A Jen Simons e a Rachel Andrews têm vindo a fazer um excelente trabalho mostrando-os como isso pode ser fácil e como podemos fazê-lo. Vê algumas das suas experiências em labs.jensimmons.com.
Os nossos utilizadores estão cada vez mais inteligentes, com cada vez mais cultura digital. Têm espírito aberto e pode até arriscar-se a dizer que procuram interfaces que sejam tanto desafiadores para eles como suscitem a sua curiosidade.
A evolução que design gráfico enfrentou ao longo da sua história não deve ser ignorada ao abraçarmos o web design, pois a falta de pensamento crítico poderá levar-nos a repetir os mesmos erros repetidas vezes.
Texto de João Francisco Ribeiro, , traduzido do inglês e publicado originalmente no blogue da Imaginary Cloud, agência especializada em design e programação de produtos digitais.