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Embora o primeiro álbum tenha saído no último dia de Agosto, os Reis da República já têm trabalhos cá fora desde 2015, tendo a sua concepção surgido no ano anterior. Um ano depois de lançarem o EP, em 2016 surgiu Samurai, uma canção isolada. Fábulas foi gravado em Alvalade com produção de Diogo Rodrigues, homem por detrás de discos como Pá Pá Pá dos Ganso ou o homónimo de Luís Severo.
O mais recente registo da banda é quase que uma epopeia com influências do rock progressivo dos anos 70, como identificamos nos dedilhados climáticos à Pink Floyd em Hamelin ou riffs explosivos em Fugida, que fazem lembrar os Gentle Giant. Com a marca de 24 minutos, o disco conta com os singles Fábula e Sidónio, lançados em Junho e Julho, respectivamente.
Fábulas já se encontra disponível nas lojas e nas habituais plataformas de streaming e a banda está a preparar os concertos de lançamento: dia 15 no Musicbox em Lisboa e dia 31 de Outubro na Casa da Música, no Porto.
Em Fevereiro deste ano, tivemos a oportunidade de conversar com Luís Ogando e Gonçalo Bicudo, guitarrista e baixista respectivamente, em pleno processo de produção do disco.
Qual é a história por detrás da banda? E para tirar a teima, são monárquicos ou são republicanos?
Gonçalo Bicudo (GB) e Luís Ogando (LO): Epá
LO: Sem dúvida que nenhuma das hipóteses.
GB: Nenhuma mesmo. Anarquia total, sou do punk.
LO: Pá, no fundo fomos o [Bernardo] Soto[mayor] e eu quem começou isto. Começámos e nem foi para ter uma banda. Foi para fazer música para miúdas e tal (risos). Eu já sabia tocar guitarra Q.B., sabia dar uns toques, o Soto sabia pegar numa guitarra, para que lado é que o braço ia. Fora de brincadeiras, acompanhei o seu processo de aprendizagem, naturalmente começámos a fazer umas musiquinhas e surgiu de imediato a ideia de formar uma banda. Chamámos o Tomás [Lobão] que foi nosso colega na escola, chamámos a [Madalena] Tamen, que tínhamos conhecido havia pouco tempo, para cantar porque nós não dávamos conta do recado. E durante um tempo fomos um quarteto porque teclas não conhecíamos ninguém na altura e baixo porque…
GB: Pá, este gajo achava que não era preciso.
LO: Ya, na altura não fazia ideia e achava que era daqueles instrumentos que ia tocar numa música ou outra para me divertir e o resto está-se bem (risos).
GB: Felizmente apareci eu (risos)
LO: Mas antes apareceu o [José] Sarmento! Tu foi numa noite bela que…
GB: Noite em que, pode ou não ter envolvido copos diversos, eu entrei de carrinho numa conversa que falava sobre Pond.
LO: Na minha perspectiva foi assim: estava um grupo divertido de 5 ou 6 pessoas a falar sobre música, e no momento em que referimos Pond, uma cabecinha loura aparece do nada e pergunta num tom overly-excited “Estão a falar de Pond?”
GB: E lá comecei eu o rant sobre linhas de baixo bué boas. De repente a Tamen desata numa entrevista [e começa a imitar o seu tom de voz] “Epá, tocas baixo? Curtes do quê? Não queres tocar na nossa banda?” “Ya!” (risos) E foi assim que entrei nos Reis. Sem tirar nem pôr.
LO: Exacto, ele tinha entrado na banda sem ter antes conhecido mais do que 2 membros.
GB: Só conheci a Tamen, na verdade! Depois fui ter uma audição à casa de um destes gajos…
LO: Eu não vou chamar isso de audição, na verdade o que aconteceu foi ter-lhe ensinado as malhas de baixo e ele já estava praticamente integrado na banda.
GB: Depois começámos a ensaiar, a compôr e a tocar e pronto, agora cá estamos.
LO: Agora é o que é.
Como é a vida de uma banda de 6 integrantes?
GB: Andamos todos à porrada.
LO: Em primeiro lugar, para além de andarmos à porrada, o facto de sermos 6 implica com gestões de tempo, porque à excepção deste merdas, estudamos todos. Demasiadas vezes pomos os estudos em segundo plano, porque queremos e gostamos muito de fazer isto. Em termos de composição, não temos nenhum modo pré-definido.
GB: Uma coisa que eu gosto muito nesta banda é que sentimos sempre que temos muita liberdade em termos de criação. É claro que, para que as coisas fiquem mais consistentes, comunicamos e trocamos sugestões de como melhorar algumas ideias. Mas havendo essa liberdade conjugada com o background de influências que cada um tem, acabamos por forjar uma data de ideias numa só, mais forte e coesa.
Sobre o vosso trabalho anterior ao Fábulas, quais são as memórias que o EP vos deixa?
LO: Guardo mais memórias pela nostalgia que me causa do que pelo trabalho em si lançado, tendo em conta o contexto de música portuguesa. Foi-nos uma conquista, porque éramos putos, foi a primeira vez que estávamos a fazer aquilo sem saber bem como.
GB: É de ter em conta que era um EP que já estava praticamente feito quando eu e o Sarmento entrámos na banda e nós queríamos, cada um de nós, puxar a coisa para a sua direcção. Falta lá um pouco do nosso input, mas foi um bom ponto de partida. E ainda sobre cada um puxar para a sua direcção, notou-se, especialmente aí, as ideias que cada um de nós tinha sobre o tipo de som que cada instrumento deveria ter, baseado nos nossos gostos musicais. E foi a partir daí que começámos a ganhar maior coesão musical e a conhecermo-nos muito melhor uns aos outros.
LO: Sim, foi a partir daí que começámos a partilhar entre nós as músicas que nos faziam vibrar, e foi principalmente o Sarmento, que sendo o gajo do prog, de uma forma bastante sneaky, nos foi impingindo este género que hoje em dia adoramos ouvir e agora tocar! No fundo continuamos a ter estas divergências de gostos musicais, mas agora todos ouvimos o que cada um ouve, de modo a integrarmos as influências de todos no som da banda.
E porquê o conceito de lançar a faixa Samurai isolada?
GB: Tem monte de razões por ter sido lançada de forma isolada.
LO: Em primeiro lugar, não sabíamos assim tão bem, não foi uma coisa super-pré-meditada.
GB: E depois, porque algum tempo depois de termos lançado o EP, mudámos completamente, refizemos um repertório inteiro de músicas novas e deixámos de tocar o EP ao vivo.
LO: Ainda tivemos ali um período que tocávamos a Haddock, mas também deixamos de a tocar.
GB: E sentíamos que não podíamos deixar que o EP nos representasse, porque depois as pessoas iam aos nossos concertos e era uma coisa completamente diferente. E na altura tínhamos a Samurai que era a música que estava mais perto de estar terminada. Acordámos todos em gravar e lançar, para nos dar de novo movimento para darmos mais concertos, com uma canção que nos representasse mais fielmente. E esta é a versão mais pós-ponderada do pré-ponderamento que não houve. (risos)
Finalmente sobre o Fábulas, qual é que é a sua origem?
LO: O Fábulas começou numa altura em que o Sarmento e eu estávamos a compor para os Reis e a reunir umas ideias. Eu tinha uma música chamada Fábula, mas uma música pequenina só. Depois de ter mostrado a minha ideia ao Sarmento, ele disse “ok, está uma canção porreira, deixa-me mostrar-te a minha agora” e mostrou-me a Sidónio. Achámos que resultava bem juntá-las e tivemos a ideia de fazer um projecto muito mais ambicioso que era arranjar mais partes, fazer passagens e interlúdios.
GB: É uma coisa que tem piada, porque para mim, não é um processo que tenha sido algo como “puff” e pronto, aconteceu. Foi sempre uma coisa que se ia alterando
LO: Foi crescendo connosco!
GB: E depois cada um de nós fez a sua parte.
LO: Entretanto já tínhamos arranjado 10, 15 minutos de música, e durante um ano, o Fábulas era aquilo.
GB: Mas depois havia vezes em que antes de concertos um dizia “ah e se tocássemos assim e puséssemos uma parte nova?”. Como a Ao Portão!, que está ali o Diogo (Rodrigues) a misturar.
LO: Certa altura, na noite anterior a gravarmos uma das partes desta música, eu e o Sarmento debatíamos como é que deveria ser a estrutura do Fábulas e chegámos à conclusão que já era demasiado tarde para o fazer, porque era preciso regravar baterias, baixo, tudo! O Sarmento concordou e ficámos ali uns 10 segundos bué tristes, com a ideia de que não estávamos a fazer justiça ao disco e virámo-nos um para o outro quase ao mesmo tempo e decidimos “que se lixe, vamos regravar tudo!”.
GB: Porque o Fábulas, no fundo, é uma música separada em várias. Eu, pelo menos, vejo a coisa como se fosse a Atom Heart Mother dos Pink Floyd. Muitas vezes ouço só uma das partes que é a Funky Dung. Daí que achámos que seria justo separar as canções, para que as pessoas pudessem ter a hipótese de ir ouvir apenas o excerto que mais gostam.
LO: Ao vivo dá imenso gozo, porque já experimentámos tocar ao vivo e podemos rearranjar como bem nos apetecer.
GB: O que é lindo, porque chegas aos 20 minutos de concerto e dizemos “pronto, chegámos agora à última música” e o pessoal todo “O quê? JÁ? Devolvam-me os 3€, pá!” (risos)
LO: E depois o pessoal leva todo com uma sova de meia-hora (risos)
Que episódios nos podem contar sobre o processo de gravação do Fábulas? Existe alguma música que vos tenha dado maior gozo a gravar?
GB: Gostei imenso de gravar a Fugida, que foi praticamente ao vivo, eu, o Tomás e o Sarmento.
LO: Houve muitas partes de que gostámos por razões diferentes. A Ao Portão! porque é a música que tem mais instrumentos, que tem mais partes e isso faz com que seja bastante divertida de tocar. Depois há pequenos pormenores ao longo das músicas que são coisas que acontecem. Por exemplo, estávamos a gravar a Hamelin na SMUP com os Zanibar Aliens, começou a chover e o Ricardo [Pereira] foi a fechar a janela e eu “Não! Deixa a janela aberta e mete o microfone lá fora!”. Então no início da canção, ouvimos as guitarras em harmonia e a chuva a entrar.
GB: Também houve um momento na Fábula em que o Ogando estava a gravar uma guitarra acústica, sentado numa cadeira de bosta, o gajo mexeu-se e a cadeira estalou. Ficou na gravação e são coisas que gosto de deixar nas gravações. Dá vida, tem história. Não é só gravar música na perfeição, há falhas que eu quero que fiquem lá!
E os vossos futuros registos seguirão nesta onda de Rock Progressivo ou planeiam mudar de ares?
LO: É assim, claro que essa vertente nunca vai deixar de ser uma veia e o Fábulas é bastante representativo do que estamos e vamos continuar a fazer. Mas esta questão de fazer uma música comprida não devemos repetir tão cedo. Mas a sonoridade sem dúvida.
GB: Sinto que temos a capacidade de tocar seja que género for. É uma coisa de que não gosto nada no cenário musical que está presente em Portugal, que é a malta arranjar um estilo e faz um álbum de uma ponta à outra a soar sempre à mesma música, em que muda de tom talvez.
LO: Nós já viemos a provar do nosso remédio, ou veneno, dependendo da perspectiva, que é fartarmo-nos das nossas próprias músicas, que é uma chatice. Uma coisa que para nós nos salva disso acontecer é não nos comprometermos com um só género.
Fotografia de Maria Sacadura/Shifter