7 coisas que se aprendem num mês de abstenção das redes sociais

João Ribeiro / Shifter

7 coisas que se aprendem num mês de abstenção das redes sociais

Com o tempo, fui usando mais e mais o smartphone e as redes sociais. Agora tenho pensado em como racionar a sua utilização. Não sou o único.

Ano novo, muitos de nós aproveitamos para quebrar hábitos antigos e estabelecer novos. Para mim, Janeiro foi um mês sem redes sociais: 30 dias sem Facebook, Twitter, Instagram, LinkedIn… todas. A ideia foi sobretudo fazer uma experiência: perceber como poderia controlar melhor a minha adição e perceber do que sentiria falta (se é que sentiria de alguma coisa). Terminado o teste, posso dizer que não foi “tão stressante” como poderia ter achado que iria ser, e acho que agora consigo controlar melhor o uso da net.

Dizem que os ‘detoxes digitais’ estão na moda. Largar a tecnologia por um tempo limitado, aproveitando para nos reconectarmos com a natureza num local remoto, tende a ser um comportamento mais vulgar, à medida que nos vamos apercebendo de como ela nos prende. Foi em 2011 que tive o meu primeiro smartphone, e que os meus amigos começaram a ter o seu também. Na altura, apps como a do Facebook eram ainda muito rudimentares, pois esse tipo de serviços eram sobretudo desenhados para serem usados no computador. Mas muito mudou em apenas uma década.

Os smartphones tornaram-se melhores e mais acessíveis, a net móvel passou a ser rápida e mais barata também; esta democratização (perdoem-me o cliché da palavra) levou a que mais e mais pessoas começassem a estar online a partir dos seus telemóveis. E à medida que isso acontecia, empresas como o Facebook e a Google foram reforçando os seus monopólios digitais, procurando intervir em tudo o que fazemos na web, procurando controlar essa web e induzindo o nosso comportamento. Fecharam ecossistemas, compraram outras apps, colocaram o foco no desenvolvimento de serviços mobile-first e começaram a ter atenção ao mais ínfimo detalhe no design das suas plataformas de forma a prender ao máximo a nossa atenção.

Resultado: estamos em 2019 e damos por nós a navegar numa internet que é detida por meia dúzia de empresas, a dar os nossos dados sempre aos mesmos e a usar muita tecnologia na qual definitivamente não mandamos. Damos por nós agarrados a esse emaranhado digital, achando que não estamos viciados. Mas não: a internet, o smartphone, as redes sociais prendem-nos, estão desenhadas para isso; e o primeiro passo é admitir essa adição. O segundo passo é solucionar. E um ‘detox digital’ pode ajudar nisso.

Não é preciso ir para o meio da natureza, isolados de tudo e de todos, basta aceitar o desafio de desligar as redes sociais por um mês – 30 dias sem nada, experimentar e avaliar. No dia 31 de Dezembro de 2018, apaguei as apps do Facebook, Twitter, Instagram e LinkedIn do meu telemóvel e fui ao computador fazer sign out de todas as sessões que que tinha ligadas. Só voltei a fazer log in em Fevereiro.

O que aprendi? Sete coisas:

1 – a lista de contactos é a nossa melhor amiga

Quando deixamos de ter acesso às listas de amigos do Facebook, Twitter e Instagram, há algo que percebemos imediatamente: deixamos de conseguir comunicar com as pessoas cujo número de telemóvel ou endereço de e-mail não temos. Durante o ‘detox’ percebi a importância da minha lista de contactos, até porque das apps de chat só mantive o WhatsApp e o Telegram (o Messenger do Facebook, o Direct do Instagram e as DMs do Twitter ficaram também em pausa durante um mês). Guardei contactos que não tinha, organizei a minha lista e passei a conversar mais usando usando números e e-mails. Apercebi-me que não é totalmente sensato manter os contactos apenas em aplicações geridas por terceiros.

2 – estar aborrecido é bom

Como me desloco de bicicleta, não tenho momentos no meu commute diário em que puxe do telemóvel, mas quando vou no comboio ou autocarro fico tentado a fazê-lo. Estar aborrecido é bom: permite-nos estar connosco próprios, pensar na vida e magicar novas ideias. E acho que com isto dos smartphones e dos feeds que a qualquer momento podem alimentar a nossa cabeça, desabituámo-nos do aborrecimento. O que faziam as pessoas antes quando não havia net em todo o lado? Observavam as coisas em seu redor? Liam um livro ou um jornal? Reflectiam? Pois, se calhar estes são hábitos que temos de trazer de volta e que pessoalmente trouxe durante o meu detox. E que agora pretendo manter.

3 – menos Stories, mais histórias

Quando ficamos sem redes sociais – sem ver tweets ou stories –, a forma de estarmos a par do que os nossos amigos estão a fazer é através daquilo que nos contam directamente – através de um WhatsApp ou de uma conversa cara-a-cara. Essas histórias contadas nesse registo pessoal são mais ricas, mais completas e mais interessantes que as stories e, talvez por isso, ficam-nos mais na memória – afinal, é só comigo que acontece ver uma publicação que um amigo fez, fixar que a fez mas esquecer-me do seu conteúdo (o clássico: “ah, eu vi que publicaste qualquer coisa mas não me lembro bem”)? Ora neste detox comecei a sentir mais necessidade de perguntar ‘como estás?’, de ligar, de ouvir com curiosidade a resposta, de combinar 1:1…

4 – consegue-se mais foco/concentração

Já vos falei da importância de estar aborrecido, mas a criatividade não é a única consequência disso. O facto de não ter redes sociais permitiu-me ter mais tempo também para ser produtivo – em vez de mais um scroll no feed para publicar algo ou ler um comentário qualquer, tive vontade de escrever mais no blogue, de desenvolver mais ligação com pessoas dos meus círculos pessoais e profissionais, e de apostar em passatempos.

5 – o FOMO é um mito

O que é que as redes sociais têm que não podemos encontrar em mais lado nenhum? Amigos? Lol. Notícias? O RSS e as newsletters permitem-nos receber os conteúdos mais recentes das nossas publicações e blogues preferidos, novidades das iniciativas e organizações que acompanhamos, etc. Eventos? É certo que os Facebook Events são um óptimo recurso, mas além de estarem acessíveis mesmo a quem não tem conta existem outras agendas que nos ajudam a planear, por exemplo, o fim-de-semana. Polémicas? Bem, honestamente pouco importam aquelas discussões levianas de que tanto se alimentam as redes sociais. No final de contas, se algo de importante se passar, vamos sabê-lo, seja através de uma mensagem de um amigo ou de uma notícia que recebemos no e-mail. E não, não estou a falar dos e-mails do Instagram que ao fim de três semanas comecei a receber a lembrar-me de novos ‘posts’ que amigos fizeram e de novos ‘likes’ que tinha.

6 – aproveitar mais outras apps

Abri mais vezes o YouTube, vi séries no Netflix, li mais no Feedly, Pocket e Medium, descobri a certo ponto que uma TED Talk é algo bom de se ouvir de vez em quando. Não ter redes sociais fez-me olhar para outros lados da internet – se calhar mais sossegados, menos stressados e mais interessantes. Além das aplicações que referi em cima, usei e abusei do WhatsApp e do Telegram para falar, do Google Keep para guardar pensamentos e notas de viagem ou do WordPress para publicar no meu blogue, por exemplo. Por falar em blogue, nunca o senti tão activo como durante o detox – não ter Twitter, fez-me desenvolver ideias além dos 280 caracteres e, sem Facebook, passei a escrever com mais calma e não em cima do momento. Também senti mais actividade minha no Slack do Shifter, e nos grupos que tenho no WhatsApp e Telegram. Bom.

7 – redes sociais restringem o conteúdo se não tivermos conta

As redes sociais têm inúmeras vantagens e uma delas foi terem democratizado a partilha e publicação de conteúdos. Tenho amigos, conhecidos, pessoas que admiro, entidades várias que apenas publicam no seu Instagram ou Twitter, ou que fazem do Facebook o seu blogue pessoal. Muito desse conteúdo, se partilhado de forma pública, está acessível a quem não tenha conta. Por exemplo, posso consultar e ler as discussões num grupo público no Facebook, ler um perfil público de Twitter ou explorar as fotos publicadas numa conta de Instagram; mas não dá para ver Stories sem uma conta de Instagram ou para ler as reflexões que um amigo publica no seu perfil pessoal de Facebook – só publicações de páginas estão acessíveis na rede social azul e mesmo assim temos de levar com pop-ups gigantes e incomodativos. As redes sociais vão a todo o custo tentar que o conteúdo que lá publicamos fique só lá; e vão fazer de tudo para que nos aguentemos nelas.

Em jeito de conclusão, o detox soube bem pelos motivos que já elenquei. E agora, com as redes sociais de volta, o desafio que abraço é dar continuidade aos hábitos saudáveis de uso de internet que comecei a desenvolver nestes 30 dias. Vamos ver como corre.

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