João Albuquerque: “É urgente afirmar a União como espaço de defesa e promoção dos direitos humanos”

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João Albuquerque: “É urgente afirmar a União como espaço de defesa e promoção dos direitos humanos”

João Albuquerque é líder da “jota” socialista europeia.

Lídia Pereira e João Albuquerque são dois nomes que, se não te dizem nada, deviam. São ambos portugueses e como as fotos evidenciam, ainda jovens. Em comum têm o facto de se terem tornado quase em simultâneo líderes das principais juventudes partidárias a nível europeu. O João dos Young European Socialists e a Lídia dos Youth of the European People’s Party.

Decidimos falar com ambos para perceber as suas visões para a Europa e qual o papel que atribuem às juventudes partidárias na política europeia. No fim, aproveitámos para tentar descobrir se os vamos ver a concorrer às eleições europeias de 2019.

Neste artigo conversamos com o João, líder da YES (Young European Socialists), a “jota” do Partido Socialista Europeu, mais conhecido como PSE. A entrevista com a Lídia pode ser vista aqui.

 

Para quem está a ouvir falar pela primeira vez de vocês e não tem muito por onde procurar na internet: quem és, de onde vens e, resumidamente, como chegaste a líder da juventude partidária europeia?

Sou o João, tenho 32 anos, nascido em Lisboa e crescido no Barreiro. Licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais pela melhor Esplanada com Faculdade do País (FCSH-UNL) e com um Mestrado em História, Defesa e Relações Internacionais, pelo ISCTE-IUL.

Tenho militância activa na Juventude Socialista desde os 18 anos, já lá vão 14 anos. Decidi juntar-me à JS por achar que era através da militância partidária que melhor podia dar corpo àquilo que considero ser um dever cívico de todos.

Desde muito cedo que fui tendo um papel mais activo na área de Relações Internacionais. Depois de ter sido presidente da JS Barreiro, acabei por integrar o Secretariado Nacional. Foi a partir daí que comecei a representar a JS a nível europeu e acabei por ser eleito Vice-Presidente da YES (Young European Socialists) no mandato anterior a este.

Depois de um mandato de dois anos como Vice-Presidente, e por ter percebido que contava com o apoio da grande maioria de organizações que compõem a YES, naquilo que era um sentimento muito forte de transformação da acção da estrutura – quer a nível interno, quer na sua projecção externa – fui eleito Presidente em Abril de 2017, num Congresso em Duisburg, na Alemanha.

Qual é o papel das juventudes partidárias ao nível europeu? Não estão no Parlamento Europeu, que tipo de actividade desenvolvem no dia-a-dia e ao longo do ano?

A YES é, estatutariamente, a organização de juventude do Partido Socialista Europeu e do Grupo Parlamentar Socialista e Democrata (S&D) no Parlamento Europeu. Por esse motivo, e também por essa via, acabamos por ter uma relação muito próxima com os centros de decisão política da nossa família, em Bruxelas. Isto traduz-se num acompanhamento permanente dos principais temas que são discutidos em Bruxelas e Estrasburgo, mas também uma capacidade efectiva de influenciar algumas das políticas que estão a ser discutidas. Aconteceu isso aquando da discussão da Garantia Jovem, do Corpo Europeu de Solidariedade (que substituiu os antigos programas de voluntariado), na própria discussão do Orçamento Plurianual da UE, ou no acompanhamento das matérias relativas à Revolução Digital, entre vários outros temas que consideramos de grande importância para os jovens europeus.

Para além disso, organizamos anualmente vários seminários, workshops ou conferências, em que procuramos envolver os militantes das nossas estruturas para uma discussão transversal de vários temas. Ao longo destes últimos dois anos, abordámos temas como o feminismo e os direitos LGBTQIA*, as questões relacionadas com migrações e refugiados, o futuro da educação e do trabalho, o Futuro da Europa – com ou sem Brexit –, e várias propostas para a transformação do modelo económico que temos na Europa, com particular destaque para uma grande campanha que realizámos contra a evasão e a fraude fiscal.

Além disso, e para além das reuniões estatutárias que temos – reunimos 2 vezes por ano o órgão executivo (Presidium), e duas vezes por ano, normalmente no país que tem a Presidência da União, o órgão deliberativo (Bureau) – organizamos, ainda, um acampamento anual, que é sempre o evento que reúne mais activistas. O ano passado, realizou-se em Rota, na Andaluzia, e contou com a presença de 900 pessoas. Este evento assume uma grande importância para nós e é marcado por várias normas de conduta que consideramos fundamentais e que procuram que o acampamento seja um espaço seguro para todas as pessoas que por lá passam, não se admitindo qualquer forma de discriminação ou ofensa.

Quais são, no teu entender, os principais desafios do projecto europeu durante a próxima legislatura? Em específico para as juventudes, há alguns pontos concretos a debater no horizonte próximo?

Não há dúvida que a extrema-direita tem ganho muito espaço político nos últimos tempos. Esta ascensão é perigosa do ponto de vista dos direitos individuais e do nosso ideal colectivo. Do ponto de vista dos direitos individuais porque a visão que propõem é uma de exclusão, assente na xenofobia, no racismo, na homofobia e na misoginia. É uma visão de sociedade que pretende colocar pessoas contra pessoas, apenas e só com base em preconceitos errados, num medo enraizado que deriva, em grande parte, de desconhecimento, sobretudo do desconhecimento do outro – isto foi muito claro em várias eleições por toda a Europa, em particular na Alemanha e na Áustria, em que os partidos de extrema-direita obtiveram melhores resultados em áreas onde existiam menos migrantes.

Por outro lado, a extrema-direita impõe uma agenda perigosa do ponto de vista da nossa construção colectiva, porque ameaça o nosso sistema democrático, os princípios do Estado de Direito, e o próprio projecto da União Europeia. Este regresso do proteccionismo e do nacionalismo, que triunfou politicamente nos Estados Unidos, mas também na Rússia e na China, ameaçam a cooperação internacional pacífica entre os Estados e colocam em perigo a ideia de multilateralismo – quer através da UE, quer da ONU. Esta visão está na base da grande parte dos conflitos históricos entre nações e é por isso que é absolutamente fundamental combatê-la.

Isto significa que é urgente reforçar a nossa defesa do projecto europeu, da cooperação multinacional das Nações Unidas, de afirmarmos a União como um espaço de defesa e promoção dos direitos humanos, da mudança de paradigma económico, com especial enfoque na sustentabilidade e na defesa do ambiente, de reforçarmos os mecanismos de educação e formação ao longo da vida e de apostarmos na promoção de medidas que permitam a realização individual plena de cada uma e cada um de nós.

Como vês as propostas de listas transnacionais?

A proposta para a criação de listas transnacionais seria um passo importante para o aprofundamento do próprio modelo democrático da União Europeia. Mas, isoladamente, esta é uma medida que é insuficiente. Nós defendemos a criação de um Estado Federal Europeu. É através do reforço dos poderes da União – que tem de acontecer de forma indissociável com o reforço da legitimidade democrática dos seus representantes e da transparência do seu processo de decisão – que acreditamos ser possível salvar este projecto e, ainda mais importante, aproximá-lo dos cidadãos europeus.

Qual será a estratégia para envolver os jovens e levá-los às urnas nas eleições europeias? Passa por aí o vosso papel enquanto juventude partidária?

Estamos conscientes que a participação nestas eleições é sempre reduzida, ainda mais da parte do eleitorado mais jovem. Isto acontece, em parte, pela percepção de que as decisões da UE não têm influência no dia-a-dia dos jovens europeus ou que são demasiado complexas para serem compreensíveis. No entanto, também é certo que a minha geração é uma geração que nasceu “europeia”. Eu nasci no ano em que Portugal aderiu à CEE e vivi toda a minha vida num mundo sem fronteiras. Beneficiei do programa Erasmus, de uma moeda única, da eliminação de barreiras aduaneiras e vivi o primeiro ano de transição para Bolonha. Tudo isto foram ganhos efectivos na qualidade de vida de todas as pessoas que vivem na UE.

No entanto, o que também me parece claro, é que as pessoas da minha geração exigem que a manutenção dos Estados-membros nesta União, de Portugal em particular, se faça acompanhada do aprofundamento dos seus mecanismos democráticos. Nós não aceitamos que a política, hoje, seja uma coisa de elite, opaca, incompreensível para a maioria. Queremos que os processos decisórios possam ser feitos de forma transparente, acessível, representativa e plenos de legitimidade democrática. É certo que uma alteração dos tratados neste momento é impossível, se não suicida. Mas, não é por isso que não devemos pensar na construção de uma União que seja à imagem e semelhança do que melhor sabemos que ela pode ser. Estou confiante que, reforçando a correspondência entre as escolhas do eleitorado e as suas e os seus representantes, bem como o poder que estas e estes têm em todo o quadro decisório da União, poderemos aumentar a participação eleitoral em toda a UE.

Em Portugal, as juventudes partidárias são algo mal vistas e raramente recebem atenção mediática. No entanto, vemos que são capazes de lançar líderes políticos europeus. Como podemos interpretar esta liderança numa comparação entre a qualidade da política “jovem” portuguesa versus a de outros países europeus?

Não acho que a qualidade política em Portugal fique a dever nada a nenhuma outra congénere europeia. Temos vários exemplos de excelência política nacional em altos cargos de representação europeia e nacional – António Guterres, António Vitorino, Mónica Ferro, Mário Centeno, só para citar alguns. O que é certo é que, infelizmente, as estruturas partidárias de juventude em Portugal recebem pouco crédito e pouca atenção pelo trabalho que desenvolvem.  Só para citar exemplos recentes, a JS contribuiu decisivamente para transformações sociais muito importantes e que foram batalhas de muitos anos: a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a introdução de manuais escolares gratuitos, o combate à precariedade no Estado, a descida do valor das propinas e a redução do preço dos passes sociais. Todas estas conquistas fizeram-se através do envolvimento da JS em várias plataformas cívicas, com o apoio mútuo inequívoco de vários movimentos sociais. Esta capacidade transformadora da JS é parte inalienável do seu património histórico e condição essencial da sua existência.

Há possibilidade de te vermos num lugar elegível nas listas para o PE?

A decisão sobre as listas ao Parlamento Europeu é uma decisão colectiva, realizada pelos órgãos do Partido Socialista. O desempenho de cargos públicos, sobretudo de natureza electiva, são sempre uma enorme honra para as suas e os seus titulares. Acima de tudo, entendo que estes cargos são sempre de natureza transitória e sempre um meio para alcançar um fim. Quando se entende a obtenção de um cargo como um fim em si mesmo, então já se perdeu a noção global do que está em causa quando tal honra nos é concedida.

Neste caso, pelo conhecimento que julgo ter sobre o processo político europeu e pela capacidade que eventualmente poderia ter de contribuir para a transformação da própria União, seria um desafio que abraçaria com muito entusiasmo. Mais do que isso, julgo que seria importante poder ver uma mudança geracional já nestas eleições e ter no Parlamento alguém que possa, legitimamente, representar uma geração que tem muito pouca voz nos principais centros de decisão. Há problemas específicos que nos afectam enquanto jovens desta geração; tendo passado por eles, tendo sofrido os seus impactos, e percebendo os desafios que nos esperam, poder dar voz a tantas e a tantos que não têm oportunidade de a ter, seria uma oportunidade única e uma responsabilidade tremenda.

Até ao momento da decisão, que só deverá ocorrer daqui a um mês [entrevista realizada no dia 16/01], estou muito orgulhoso do apoio que recebi da Juventude Socialista, e em particular da sua Secretária-Geral, e do impulso que me deu para poder ser, eventualmente, candidato nas eleições Europeias deste ano.

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