Ser e estar num nicho

Procurar
Close this search box.
Foto de Sandro Nunes/Swing Pics

Ser e estar num nicho

A democracia precisa de quem pare para pensar.

Num ambiente mediático demasiado rápido e confuso, onde a reação imediata marca a ordem dos dias, o Shifter é uma publicação diferente. Se gostas do que fazemos subscreve a partir de 2€ e contribui para que tanto tu como quem não pode fazê-lo tenha acesso a conteúdo de qualidade e profundidade.

O teu contributo faz toda a diferença. Sabe mais aqui.

Há lá alguma coisa melhor do que o sentimento de pertencer a uma comunidade?

Em 2018, por ocasião do Dia Mundial da Internet, a Jonas partilhou com uma audiência pequena e interessada a expressão “eu entretanto nichei”, para explicar um dado momento no seu percurso pelo mundo da internet. Nunca tinha ouvido falar no verbo ‘nichar’ e a verdade é que me pareceu ter todo o sentido.

Eu nicho, tu nichas, ele nicha

O nicho é, segundo o dicionário Priberam, “uma cavidade aberta em parede para colocação de imagem, vaso”; um “compartimento, divisão de estante ou armário”. No sentido figurado é uma “habitação pequena”. Daqui retira-se o compartimento, a cavidade aberta, a habitação. Pegando e baralhando esta definição: um nicho é um espaço, pequeno onde me sinto em casa.

Sinto-me em casa

Há lá alguma coisa melhor do que o sentimento de pertencer a uma comunidade? (Mesmo que haja, por favor, acenem com um “sim” para o artigo continuar o seu percurso.)

As comunidades não são coisas que a internet nos trouxe. A nossa primeira comunidade é a família, depois os colegas da escola, os amigos que se fazem no ginásio onde treinamos Taekwondo, os amigos da outra escola para onde nos mudámos, os colegas do nosso primeiro trabalho… e por aí fora. Pelo meio, as comunidades também podem acontecer online: o grupo dos voluntários da associação com a qual colaboramos que tem um grupo no Facebook, o fórum do Reddit onde falamos sobre desinformação. Uma comunidade pode acontecer, até, numa caixa de comentários de uma publicação feita num blogue.

E aquele assunto? É ‘nichento’, pois claro

Há assuntos que nos interessam a todos e sobre os quais todos temos uma palavra a dizer. Depois há aquelas pessoas que têm bigode e que se juntam anualmente num dado dia e hora para celebrar a comunidade das pessoas que têm bigode. E o bigode não interessa a todos: a relação que tenho com o meu buço é a três: eu, ele e a cera quente.

Falar para um nicho é assumir que o assunto, que a conversa é ‘nichenta’: não será relevante para todas as pessoas, mas é o elo de ligação daquelas que formam um grupo que consegue crescer como comunidade.

A comunicação para as massas atropela as conversas dos nichos e faz-nos pensar que aquilo que é avidamente discutido, partilhado, testado, experimentado por um número pequeno de pessoas não tem interesse. Tem sim, sobretudo para aqueles que fazem parte desse grupo.

Não quero berrar para todos, à espera que alguém me oiça. Prefiro falar no meu tom de voz normal e falar com quer está disponível a ouvir. Para que isso aconteça, escolho um espaço ‘nichento’ onde há pessoas ‘nichentas’ a tratar de assuntos ‘nichentos’.

O papel das comunidades na vida das pessoas – e das marcas

“The shift to an organisation participating in a community is the biggest communication change that organisations face in the coming decade, as they seek to modernise their communication teams and engagement with PR agencies. It requires teams to be reorganised and aligned with the planning and demands new skills to be added to existing teams.”

A citação é de Stephen Waddington, que sublinha o caminho de mudança das empresas e organizações (numa palavra, das marcas) no sentido de criar e marcar presença nas comunidades. É um trabalho difícil, pois implica abandonar a ideia de que estamos ali apenas para vender e as pessoas vão, pois claro, comprar o que temos. Implica uma entrega aos outros, a atenção ao que dizem no sentido de apurar oportunidades de criação e fortalecimento de relações.

Uma comunidade implica encarar a comunicação como uma maratona, não como um sprint. Não devemos querer ser Usain Bolt da nossa presença nos canais de media, nomeadamente, em social media. Se queremos olhar para o médio e longo prazo, há que apostar em relações, em ligações humanas: em comunidades. Acrescento ainda: em nichos.

‘Nichar’ dentro de um nicho

Nalguns meios conhecem-me como “a Joana do Twitter”: tive consciência disso em 2018, durante o ClickSummit. Isto só tem sentido para quem frequenta o Twitter: e mesmo assim, não é claro que o seja para todas as pessoas que, em Portugal, têm uma conta no Twitter. Apenas um nicho, dentro do nicho que é o Twitter no nosso país, conhece a Joana do Twitter. Dentro desse nicho, apenas alguns seguem e acompanham a comunidade #twitterchatpt. É um nicho dentro de um nicho. É uma divisão pequena dentro de uma casa, onde alguns se sentem mesmo em casa.

A relevância do nicho é essa: poder falar com quem partilha os mesmos interesses do que nós, que pretende dedicar algum tempo a explorar e aprofundar alguns temas. Podemos não ter mais nada em comum na nossa vida: mas aquele sentimento de comunidade é partilhado, é vivido, é alimentado. Sentimos que pertencemos e partilhamos a responsabilidade de manter a comunidade viva, enquanto tiver sentido que assim seja.

Índice

  • Joana Rita Sousa

    Joana Rita Sousa é filósofa. Trabalha na área da comunicação e da cultura digital. É formadora e consultora, bem como uma série de coisas que ficam melhor em inglês:  digital strategist, community manager, copywriter e ghostwriter. Em Dezembro de 2018 criou o #twitterchatpt - e a vida no twitter, em Portugal, nunca mais foi a mesma. Dizem que é um unicórnio de leads.

Subscreve a newsletter e acompanha o que publicamos.

Eu concordo com os Termos & Condições *

Apoia o jornalismo e a reflexão a partir de 2€ e ajuda-nos a manter livres de publicidade e paywall.

Bem-vind@ ao novo site do Shifter! Esta é uma versão beta em que ainda estamos a fazer alguns ajustes.Partilha a tua opinião enviando email para comunidade@shifter.pt