Promissora revista de tecnologia tem começo atribulado e parte da redacção demissionária

Procurar
Close this search box.

Promissora revista de tecnologia tem começo atribulado e parte da redacção demissionária

A democracia precisa de quem pare para pensar.

Num ambiente mediático demasiado rápido e confuso, onde a reação imediata marca a ordem dos dias, o Shifter é uma publicação diferente. Se gostas do que fazemos subscreve a partir de 2€ e contribui para que tanto tu como quem não pode fazê-lo tenha acesso a conteúdo de qualidade e profundidade.

O teu contributo faz toda a diferença. Sabe mais aqui.

Julia Angwin, co-fundadora do Markup, foi despedida na penúltima semana de Abril; cinco dos sete elementos da equipa editorial desta nova publicação despediram-se em protesto; e cerca de 145 jornalistas e investigadores assinaram uma carta aberta mostrando o seu apoio a Julia.

Sites, blogues, revistas e canais de YouTube dedicados a tecnologia existem muitos, mas a maioria fala sobre a chamada ‘tecnologia comercial’: os novos smartphones anunciados em keynotes, os novos produtos que surpreendem na CES, as apps que toda a gente começou a usar, as novas funcionalidades que vão chegar às apps que já usamos, as tendências que as grandes empresas estão a seguir… Não há – com excepção de alguns artigos aqui e ali – uma publicação (leia-se um media) exclusivamente dedicado ao escrutínio dessa tecnologia. Como é que todos esses gadgets e apps impactam as notícias que lemos, as nossas eleições, os nossos empregos, o acesso a bens e serviços…?

Anunciado em Setembro de 2018, o The Markup pretendia preencher essa lacuna. “Somos uma nova publicação que pretende escrutinar como instituições poderosas estão a usar tecnologia de formas que impactam pessoas e a sociedade”, lê-se no site do projecto, que actualmente é apenas uma página a servir de teaser. “(…) Não há uma análise muito independente dos efeitos dessas mudanças. Esse é o problema que o The Markup pretende resolver.”

O The Markup afirma-se ainda como uma organização sem fins lucrativos, com sede em Nova Iorque, anunciando na mesma página começar a publicar “no próximo ano”, ou seja, neste 2019. Contudo, esse arranque não está a acontecer como previsto, dado o abalo que sofreu antes do seu nascimento e que captou a atenção da comunidade jornalística nos EUA. Julia Angwin, uma das 3 co-fundadoras do The Markup, foi afastada do cargo na penúltima semana de Abril; em sequência, cinco dos sete elementos da equipa editorial desta nova publicação despediram-se em protesto; como resultado cerca de 145 jornalistas e investigadores assinaram uma carta aberta mostrando o seu apoio a Julia.

Jornalismo de investigação, com evidências e dados

Numa entrevista à CNN, a agora ex-editora-chefe fala num conflito com a directora executiva, Sue Gardner, responsável pelo lado do negócio, em relação a visões diferentes que as duas tinham do projecto. Segundo Julia, Sue quereria transformar o The Markup numa “causa, em vez de numa publicação” e escrever artigos com títulos como ‘Facebook is a dumpster fire’ (‘O Facebook é uma lixeira a arder’, em tradução literal). Mas, mais que fazer headlines picantes e que puxem ao clique, Julia quer usar o método científico e fazer jornalismo de investigação, usando evidências e dados para sustentar as suas afirmações, valendo-se da sua experiência.

Julia Angwin, norte-americana, vinha da redacção do ProPublica, uma plataforma sem fins lucrativos, dedicada e reconhecidapelo jornalismo de investigação, juntamente com o também norte-americano Jeff Larson. Os dois – ambos jornalistas premiados – despediram-se no ano passado para criar o The Markup: Julia como editora-chefe, Jeff como director editorial. Recrutaram a canadiana Sue Gardner, que tinha trabalhado como directora executiva na Wikimedia Foundation, e levantaram dinheiro – incluindo 20 milhões de investimento de Craig Newmark, o fundador da Craiglist (e também membro do conselho de https://staging2.shifter.pt/wp-content/uploads/2021/02/e03c1f45-47ae-3e75-8ad9-75c08c1d37ee.jpgistração do Columbia Journalism Review). A equipa aparentava vencedora e, com os 20 milhões angariados, o projecto parecia ter as pernas de que precisava para andar.

Discussões e desentendimentos

De acordo com declarações de Sue Gardner ao Columbia Journalism Review (CJR), uma publicação da especialidade, e com uma partilha de Jeff Larson no Medium, o despedimento de Julia era algo que preferiam que não tivesse acontecido mas que se tornou inevitável depois de vários desentendimentos entre os três fundadores. “A relação entre mim e a Júlia estava a deteorizar-se, assim como a relação entre Julia e o Jeff”, relata Sue.

A directora executiva do The Markup diz, por exemplo, que Julia se mostrou relutante a aceitar as suas sugestões de leitura ou a fazer formações para melhorar as suas competências de gestão, ou que fazia demasiadas viagens a conferências e que isso atrapalhava trabalho mais urgente. “Estávamos atrasados no calendário”, conta. “Numa start-up há muitas responsabilidades não editoriais que um editor-chefe tem de ter, como ajudar em decisões relacionadas com design, infra-estrutura tecnológica, distribuição, modelo de negócio e licenciamento de conteúdo. A Julia não estava interessada em muito disso e delegava-o ao Jeff.”

Jeff, que agora é editor-chefe do Markup, explica no Medium que o projecto, que deveria ter sido lançado no início deste 2019, estava bastante atrasado no final de 2018, que o recrutamento de pessoas foi lento e que, “mesmo neste mês, não tínhamos histórias preparadas”. “Não tínhamos processos editoriais em marcha para aceitar e desenvolver peças. Não desenvolvemos as áreas para cobrir. Não tínhamos uma proposta de valor editorial”, escreve. Diz também que “tanto a Julia como eu, não tendo nunca gerido uma redacção a este nível, fomos convidados a participar em formações e treinos de gestão. Reconhecendo as minhas próprias deficiências, aproveitei a oportunidade. A Julia recusou, não estava interessada nos apoios oferecidos, não queria qualquer feedback”.

E que futuro?

Julia rejeita algumas destas afirmações, referindo que seguiu alguns dos conselhos de leitura de Sue e aceitou fazer formações de gestão. Todavia, os três fundadores do Markup vão agora seguir caminhos diferentes. Segundo o CJR, Sue Gardner e Jeff Larson pretendem prosseguir com o projecto original do The Markup e têm já em mente um conjunto de potenciais contratações.

Julia Angwin pretende criar algo no campo do jornalismo de investigação, um projecto que reúna a equipa do The Markup que se despediu e que seja concorrente ao The Markup de Sue e Jeff… quem sabe. “Quero salvar a minha equipa e o trabalho que estávamos fazer”, disse por agora Julia ao CJR. Entretanto, Craig Newmark, o grande investidor do The Markup, disse que, apesar de continuar a apoiar a missão do The Markup, precisa de reavaliar o seu apoio ao projecto. Ou seja, Craig parece “estar do lado” de Julia.

Na sequência de toda esta situação invulgar, o The Markup são agora duas contas diferentes no Twitter. De um lado, @team_markup que é, por assim dizer, a conta oficial do projecto do qual Julia foi despedida. Do outro, @MarkupReal ou ‘The Real Team Markup’ é a conta dos que foram despedidos ou se despediram.

Índice

Subscreve a newsletter e acompanha o que publicamos.

Eu concordo com os Termos & Condições *

Apoia o jornalismo e a reflexão a partir de 2€ e ajuda-nos a manter livres de publicidade e paywall.

Bem-vind@ ao novo site do Shifter! Esta é uma versão beta em que ainda estamos a fazer alguns ajustes.Partilha a tua opinião enviando email para comunidade@shifter.pt