Há quem vista (literalmente) a camisola pelo teu voto nas Europeias

Há quem vista (literalmente) a camisola pelo teu voto nas Europeias

Se não votamos, alguém vota por nós. Possivelmente, alguém com interesses diferentes dos nossos. Já deixámos isto acontecer demasiadas vezes.

Não gosto, mesmo nada, que me digam o que fazer. Nada. Desde bebé, de acordo com os relatos. E se isto parece, à primeira vista, uma declaração de independência, a verdade é que funciona mais como um termo de responsabilidade. Quando queremos decidir o nosso próprio futuro, temos de ser nós a descobrir, ponderar e executar as nossas opções e, consequentemente, viver com os seus resultados.

Daqui a menos de 48 horas, mesmo quem prefere viver segundo outro sistema de valores vai ter diante de si esta proposta: ou faz uma escolha (informada) sobre o que pretende que a Europa seja ou alguém o fará por si. E, nesta Eleições, há muitas pessoas interessadas num futuro que não nos interessa a nós: portugueses, jovens.

Até hoje, não me esqueço da senhora que disse ao The Guardian, aquando do referendo do Brexit: “I didn’t think my vote would matter.” Lembro-me das palavras exactas e de as ter recortado – shift+cmd+4 – e partilhado com amigos. Esta pessoa tinha votado para sair da União Europeia. Não porque acreditava que era o melhor caminho para o Reino Unido, mas porque imaginava que a pertença à União Europeia era um dado tão adquirido que suportava quaisquer ameaças, mais ou menos sérias. Nesse caso, porque não ser apenas do contra? Só porque sim? “I didn’t think…”

Isso foi há três anos. Desde então, muitos outros desastres eleitorais ocorreram, dentro e fora do velho continente. “Desastres” não é um termo técnico, é uma avaliação pessoal sobre o aumento do populismo, dos movimentos de extrema direita e até esquerda, dos Urais ao Atlântico, seguindo por terra até ao Pacífico. Passaram três anos desde que aquela senhora verbalizou algo que muitos pensam. Eu penso nesta história muitas vezes. Mas desde então, ninguém perguntou a minha opinião.

Este mês, voltaram a perguntar. As Eleições Europeias estão aqui. Para a grande maioria dos cidadãos europeus, este domingo, dia 26 é uma oportunidade de se fazerem ouvir. O voto é um direito que depende em tudo da liberdade. É “a” expressão da liberdade: de pensamento, de acção, de estilo de vida. Hoje, de maneira insidiosa e velada, essa liberdade está ameaçada. Em Portugal, só há bem pouco tempo nos libertámos de uma ditadura de extrema direita. A memória ainda é recente e talvez por isso queiramos acreditar que nos serve de escudo contra os avanços do populismo pela Europa fora. Não vamos cair duas vezes na mesma armadilha, certo?

A União Europeia tem no seu centro valores que promovem, roubando uma expressão norte-americana, a procura da felicidade. Isto significa que esta instituição nos incentiva a mover, a pedir ajudar, a unir-nos para a construção de um futuro melhor, para cada um e para todos. Falo de coisas concretas: da capacidade de mobilidade, quer em termos de migrações, quer em termos de transportes, falo de estudar, trabalhar, construir uma vida, uma família. Falo em garantir que todos estes benefícios chegam a todas as pessoas. Hoje, falo em nome da Vote Together.

Fotografias de Maria Rita:

A Vote Together é uma plataforma pan-europeia composta sobretudo por artistas e profissionais das indústrias criativas, mas ao serviço de todos. A nossa missão está expressa no seu nome: levar todos a votar nas eleições europeias, juntos. Sabemos que todos somos mais fortes, as nossas vozes mais poderosas. A segunda parte da nossa missão é expressa por Vote for Europe. Esta é a componente ideológica da nossa campanha. Sim, não somos neutros. Sim, não queremos apenas que se dirigiam às urnas no próximo dia 26, mas que o vosso voto seja a favor da Europa. Quando somos neutros, arriscamo-nos a ser atacados de todos os lados sem que ninguém nos proteja.

Os candidatos não são todos iguais. E não me refiro, apenas, às suas posições em relação às migrações ou à ecologia. Refiro-me à agenda dos candidatos em relação à própria União Europeia. Há quem queira destruir esta instituição por dentro. Quem queira usar o poder da democracia para a enfraquecer. Contra aqueles que apelam ao abandono e debilitação da União, respondemos com factos. Os factos e dados são uma arma poderosa para tomarmos decisões conscientes e de acordo com os nossos valores e planos para o futuro.

Na Vote Together, acreditamos nesta abordagem. Por isso, entre os nossos membros e os mentores e participantes do grupo de trabalho que lhe dá origem, compilámos uma série de resultados objectivos e mensuráveis sobre o trabalho importante que a UE tem feito em prol de todos e cada um. Convido-vos a conhecer esta informação, a incorporá-la na vossa decisão de domingo.

Sei que, ao escrever no Shifter, escrevo sobretudo para uma população jovem, tendencialmente urbana, com um alto nível de escolaridade. Muitos que vieram comigo até aqui já viajaram pela Europa fora com o conforto de uma mobilidade simplificada. Alguns, até teriam feito Interrail, com bilhete patrocinado pela Europa ou não. Há certamente quem, como eu, tenha sido estudante Erasmus e ficado ligeiramente apaixonado pela experiência. Eu sei que fiquei. Há quem viva fora, já viveu e regressou e quem planeie passar uma temporada a viver noutra qualquer cidade europeia. Para nós, hoje, emigrar pode ser encarado como uma opção consciente, motivada por um desejo de novas experiências e não uma obrigação imposta por (falta de) condições.

Mesmo nas situações mais delicadas, é agora uma decisão mais pacífica, menos radical e definitiva graças às muitas ligações que a UE trabalha activamente para manter. Desde os meios de transporte à abolição do roaming, aos subsídios para estudar, trabalhar ou criar o próprio emprego.

De muitas maneiras, os jovens são quem beneficia de maneira visível da UE. Quem tem contacto mais directo com os seus confortos. De um passaporte vermelho e sólido, à educação, mobilidade, etc… E, claro, somos aqueles que herdarão o planeta e para quem os esforços no sentido de banir o plástico, limpar os oceanos, controlar as emissões carbónicas etc… são vitais. Sim, vitais. Sem legislação no sentido de proteger o planeta, o mundo como o conhecemos não vai durar muito mais.

Por tudo isto, pela atitude positiva de activismo que vemos nas redes sociais, seria de esperar que os jovens fossem uma presença forte nas urnas. Temos tanto a ganhar… No entanto, os números dizem-nos que não. Somos das classes mais pró-europeia, mas não nos manifestamos no sentido de proteger a vida que sonhamos para nós. Este contrassenso não pode durar mais.

Se não votamos, alguém vota por nós. Possivelmente, alguém com interesses diferentes dos nossos. Já deixámos isto acontecer demasiadas vezes. Este fim de semana, mesmo com sol, com praia, com almoços, lanches e jantares, com ressaca, com cinema, com amigos ou sem amigos, não há melhor plano do que ir votar. É um plano para o teu plano de vida. E eu não gosto, mesmo nada, que me digam o que fazer com a minha vida.

Fotografias de Nuno Vieira:

Texto de Maria Sá Carvalho; fotos de Maria Rita e de Nuno Vieira

O Vote Together é um projecto de incetivo ao voto nas Eleições Europeias, promovido pela associação Between Bridges, fundada em 2017 pelo artista Wolfgang Tillmans. A campanha conta com a contribuição de diversos cidadãos das mais diversas áreas no papel de embaixadores. Em Portugal foram escolhidos para esse papel a Maria Sá Carvalho, Criativa Publicitária de Lisboa e Nuno Vieira, fotógrafo do Porto.

As fotografias que acompanham este artigo são um dos resultados da campanha e, neste caso, da autoria de Maria Rita — em colaboração com Maria Sá Carvalho — e do próprio Nuno Vieira.

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