Zuckerberg, o optimista, e Harari, o céptico, num debate sobre tecnologia e sociedade

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Zuckerberg, o optimista, e Harari, o céptico, num debate sobre tecnologia e sociedade

A conversa foi interessante e realmente parece que o CEO do Facebook precisa de se expor mais a críticas depois dos escândalos dos últimos anos.

Ter Mark Zuckerberg a conversar num podcast com Yuval Noah Harari é injusto. O próprio Harari reconheceu isso já no fim desta conversa no Podcast de Mark Zuckerberg, “Tech & Society”, lançado no dia 26 de Abril.

O primeiro é responsável por uma das maiores empresas do mundo e qualquer palavra terá consequências junto dos investidores e média. O outro é um dos pensadores do momento, reconhecido como “historiador do futuro”, pode dizer o que quiser que ninguém será despedido por perda de lucro. Talvez a sua credibilidade como cientista social possa ir ao charco, mas apenas isso.

Ao convidar um pensador crítico como Harari para uma conversa solta, Zuckerberg faz uma jogada de relações públicas e marketing. Com toda a condenação pública que o Facebook tem sofrido depois das eleições dos EUA e do referendo ao Brexit, estas “conversas em família” criam uma imagem mais benevolente do líder de uma das empresas mais poderosas do mundo.

Toda a conversa foi ao redor de tecnologia e democracia. Como é que as pessoas interagem como um grupo, através da net ou na vida real. O mantra de Zuckerberg era, como não podia deixar de ser, o da maravilha da conectividade e como todos nós estamos mais em contacto uns com os outros. Ao que Harari respondeu imediatamente que conectividade não é harmonia e que a rede social dá a falsa perspectiva de poder, na medida em que podemos “desamigar” qualquer gajo que nos chateie online mas não podemos tão facilmente “desavizinhar” o nosso vizinho do lado.

Toda esta primeira parte da conversa de 90 minutos andou ao redor dos grupos que se formam no facebook, ou outras redes sociais e como as comunidades físicas como a Igreja e a equipa de baseball infantil eram importantes nas pequenas cidades e vilas porque não havia alternativa. Agora qualquer geek de informática encontra facilmente um grupo de apoio online, de interesse por qualquer tópico específico ou de uma qualquer organização informal mais ou menos duvidosa. Quando confrontado com a ideia de tempo passado online, Zuckerberg afirmou que é o objetivo da sua empresa manter as pessoas apenas o tempo necessário. Nem sempre a ver os videos engraçados virais, mas também a combinar ir jogar futebol.

Os pontos essenciais ficaram claros quando as perguntas envolveram poder político.

Harari foi bem claro. Quando um país tiver que escolher entre desenvolver um robot assassino ou não, o país vai desenvolver esse robot assassino porque o vizinho também o está a desenvolver. Ainda na temática do robot assassino, Harari revisita uma ideia comum dos seus livros. Os cenário de ter robots a tomarem controlo da humanidade tipo distopia exterminador implacável é, para ele, menos tenebrosa do que o facto dos algoritmos fazerem exatamente o que lhes mandam, sem qualquer tipo de problema de consciência ou escrúpulo. Daí ser uma arma comparável a bombas nucleares. Deu uma entrevista à Euronews sobre isso. A isto Zuckerberg respondeu dizendo que na sua maioria a automação e inteligência artificial existem para tornar coisas práticas, como velocidade de websites, ou processos técnicos em geral, mais rápidos. E fez uma das suas promessas, de que o Facebook nunca vai ter os seus servidores num país não democrático. A resposta de Harari foi taxativa sublinhando que os Estados Unidos ficaram diferentes em 2016 e podemos começar a contestar a sua liderança do mundo livre por causa da https://staging2.shifter.pt/wp-content/uploads/2021/02/e03c1f45-47ae-3e75-8ad9-75c08c1d37ee.jpgistração Trump.

A própria democracia é questionada por Harari, recuperando mais uma vez  uma ideia regular das suas obras. Podemos fazer juras de amor eterno ao princípio que o cliente tem sempre razão, ou o votante tem sempre razão e o voto é soberano, mas o que fazer quando a inteligência artificial nos conhecer melhor do que nós mesmos? Já começa a sugerir o que comer ao jantar e pode em breve sugerir quem devemos escolher para o próximo presidente, dispensando a nossa cognição e falseando o nosso livre-arbítrio.

No final, a conversa até foi interessante e realmente parece que o CEO do Facebook precisa de se expor a críticas depois dos escândalos dos últimos anos. É claramente uma operação de charme e relações públicas, mas o podcast não deixa de ser interessante e uma boa introdução para problemas do século 21, quem sabe, até para o próprio Zuckerberg. A conversa faz parte de uma série promovida pelo CEO do Facebook.

 

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  • Miguel Melo

    Miguel Melo estudou Relações Internacionais na Universidade do Minho e mais recentemente na Universidade de Tallinn na Estónia, onde vive correntemente. Isso é o resultado de uma vida passada numa atmosfera internacional e da presença constante em organizações não governamentais. Os tempos livres são passados com duas obsessões: animação (especialmente japonesa) e música (manifestamente pesada). Hoje trabalha numa empresa de tecnologia de vendas como consultor de parcerias digitais (como quem diz construir pontes entre plataformas online).

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