Denzel Curry: o rapper da nova geração que não quer ser como os outros

Denzel Curry (retratos por Elliot Kennedy)

Denzel Curry: o rapper da nova geração que não quer ser como os outros

No meio de todo este boom musical, há artistas que se destacam pela positiva, demonstram amor pela música e vontade de a nutrir com substância: Denzel Curry é um deles.

Vivemos numa era estranha para o hip-hop em que a quantidade de conteúdo musical acessível é maior do que alguma vez foi. Uma das razões para isto ter acontecido deve-se à criação de plataformas como o Soundcloud, a plataforma de streaming em que qualquer um pode postar os seus conteúdos de áudio. Nos últimos anos a maioria das músicas que saíram desta plataforma para o mainstream, caracterivazam-se por melodias extremamente simples, bastante repetitivas e cujas letras andam em torno de uma vida de luxo e o consumo de substâncias: Assim, assistimos ao nascimento de um novo estilo denominado de Soundcloud Rap. Muitos dos artistas que disseminam este estilo, nem sequer se interessam pela cultura do hip-hop em si, no entanto, interessam-se pela vida luxuosa que o mesmo pode proporcionar nos dias de hoje e aproveitam-se disto para fazer dinheiro fácil.

Ainda assim, no meio de todo este boom, há artistas que se destacam pela positiva, demonstram amor pela música e vontade de a nutrir com substância: Denzel Curry é um deles. Instrumentais complexos, versos carregados de conteúdo, uma aptidão enorme para rappar e refrões que ficam a zumbir nos nossos ouvidos durante dias sem fim são algumas das características que podem esperar da sua Curry. Mas quem é Denzel Curry afinal?

Denzel Rae Don Curry (1995), mais conhecido pelo seu nome artístico, Denzel Curry, é um rapper americano oriundo de Carol City, na Florida. A sua introdução ao mundo da música foi pelos seus pais, que o apresentaram a artistas como Marvin Gaye ou Funkadelics. O seu interesse pelo rap nasceu com a tenra idade de 11 anos, quando começou a escrever poesia; continuou a ser desenvolvido durante a sua juventude e culminou com a participação de Curry em várias rap battles com amigos e conhecidos da sua cidade. Lançou algumas mixtapes com apenas 16 anos e em 2013, aos 18, lançou finalmente o seu primeiro álbum, Nostalgic 64 na plataforma Soundcloud — seria este o trabalho da sua consagração.

Em Nostalgic 64, o tema principal foi o seu crescimento e as memórias da sua infância, bem como vários acontecimentos que marcaram a década de 90 (como o próprio nome do álbum que remonta à consola Nintendo 64). Nessa tracklist encontramos vários relatos de como foi crescer e viver na sua cidade natal de Carol City com a violência entre gangues, pobreza e criminalidade a tornarem-se tópicos comuns. Os ritmos fora do normal e a sua abordagem agressiva e explosiva ao rap fizeram com que este álbum se destacasse desde logo e com que alguns olhos se tenham posto em Curry.

O passo seguinte da sua carreira foi o EP duplo 32 Zel/Planet Shrooms onde Curry experienciou os primeiros sabores do prato agridoce que é a fama. Entre as 14 faixas que o compõem, encontra-se a faixa Ultimate, que chegou aos ouvidos de muita gente principalmente à boleia de memes na Internet. Este EP duplo peca, no entanto, por uma menor qualidade lírica e instrumental. Apesar de Denzel experimentar várias novas abordagens de fazer música, não existe nenhum elemento muito memorável ao longo do trabalho. Enquanto longo registo acabou não ser um marco importante mas foi o pretexto para o lançamento de Ultimate, provavelmente a grande rampa de lançamento e afirmação para Curry.

Existe um termo no mundo da música, Sophomore Slump, que diz que o segundo álbum de um artista nunca corresponde às expetativas criadas pelo primeiro. Isto deve-se ao facto deno caso do primeiro álbum, apesar de os artistas ainda não terem uma experiência musical muito profunda, as ideias terem tido tempo para marinar na sua cabeça durante muitos anos (talvez desde sempre). Ao passo que para conceptualizarem e lançarem o segundo álbum, os artistas apenas têm dois ou três anos seja por pressão da editora musical, ou pelo desejo de aproveitar o momentum criado pela release anterior. O lançamento do álbum de Denzel Curry corria esse risco e trazia ainda mais preocupações devido à fraca qualidade do seu EP anterior.

No entanto, Denzel Curry conseguiu ultrapassar este agoiro e em 2016 lançou o seu sophomore album. O trabalho foi originalmente lançado na plataforma Soundcloud, mas devido ao sucesso efusivo, Curry assinou um contrato com a editora independente Loma Vista que em em outubro de 2016 o relançara no Spotify com algumas alterações na tracklist. O sucesso do álbum deveu-se principalmente à capacidade de Denzel para criar letras extremamente vividas e acompanhá-las de instrumentais pesados e interessantes, como por exemplo na faixa Sick & Tired, em que Denzel se coloca na posição de um assaltante que está à procura da sua próxima vítima. Entre várias barras agressivas, Curry demonstra que o assaltante não faz isto porque quer, mas sim porque não lhe resta opção e precisa de alimentar a sua família:

“And I’m sorry if I up the stick and have to click on you” / “And I’m tired of living off my folks / My old girl need some help / And my girlfriend bout to have a jit”

Noutras faixas como If Tomorrow’s Not Here, Denzel fala do ponto de vista de um presidiário e deixa a mensagem de que devemos sempre aproveitar a vida ao máximo, dentro dos limites da lei, o que contrasta com a agressividade da música anteriormente mencionada:

“When I get out we gon’ go harder than Medusa, building stone walls out of human flesh “  “I’m here because I never gave a damn, like an angry beaver”

Apesar de não ter um conceito global, é um álbum cativante do início ao fim que toca em tópicos como a brutalidade policial, ser-se a pessoa estranha no meio de um grupo, pobreza e crime. Começa no pico de agressividade e vai amolecendo aos poucos, mas procura sempre deixar uma marca no ouvinte e deixa sempre uma mensagem a ruminar na cabeça do mesmo.

Para além da sua capacidade de criar músicas com conteúdo, é importante notar que Denzel tem uma aptidão fenomenal para rappar: se um fã tentar cantar algumas das suas faixas mais agressivas como Gook, de certeza que vai ter dificuldade em conseguir cantar os versos inteiros sem ficar sem ar. Denzel parece fazer isto quase sem esforço em controlar a sua respiração. Os flows que emprega são tão variados que as suas músicas se tornam exponencialmente mais interessantes e surpreendentes. De todas as formas, é ainda um álbum muito uni-dimensional, sendo que o leque de temas debatidos é pouco abrangente e portanto nem toda a gente se consegue ligar diretamente com o que está a ser transmitido.

É neste trabalho que começa a surgir o termo ‘ULT’ muito associado ao artista e que este tem tatuado em letras enormes na sua barriga. ULT é uma espécie de mantra que Denzel diz seguir na sua vida como relembrança constante para dar o melhor de si e ser sempre a sua versão ‘ultimate’.

Por esta altura, muita gente julgava que Curry seria apenas um one hit wonder e que, depois deste disco, nunca voltaria a ser relevante no mundo do rap, no entanto, esta teoria foi refutada no ano passado. Em 2018, Curry lançou o seu terceiro álbum de estúdio, TA13OO. Nele Denzel apontou para as estrelas e chegou às galáxias mais distantes.

TA13OO é um percussor lógico do Imperial; todos as pequenas falhas cometidos no projeto anterior foram rectificadas e o que já estava bom, foi melhorado ainda mais. O resultado é um álbum incrível, em que Curry desenvolve a sua capacidade lírica e toca em tópicos extremamente atuais. Alguns tópicos incluem a normalização do abuso de substâncias, o estado atual da política Americana com barras como “Monstrosity run rampant all throughout United States / Talkin’ about “let’s make a fort” / Talkin’ about “let’s make it great””, a aludir ao atual presidente dos Estados Unidos. Ainda tocando em assuntos mais pesados como a sua propria saúde mental (“Voice in my head, got too many ”) e o abuso sexual (“I, heard you were molested when you hit the age of five / So, in a sense I sensed that all your innocence had died) Curry revela uma surpreendente maturidade apesar da sua tenra idade.

TA13OO foi dividido em três partes distintas, Light, Grey e Dark, cada uma delas tocando em temas de calibre diferente (sendo que o Dark é o mais agressivo e o Light o mais leve) e escritas em alturas diferentes da vida do artista. Para complementar a experiência, cada parte foi lançada em dias diferentes, de forma a possibilitar uma digestão mais fácil deste manjar musical e para realçar ainda mais esta distinção. É, portanto, um álbum marcante pela positiva em que Denzel mostra dicas mais maduras e mais variadas relativamente aos trabalhos anteriores. Tornou-se num dos pontos mais altos da carreira do artista e deixou inúmeros fãs (novos e fiéis) a questionar-se acerca do rumo que seguiria. A resposta não tardou a chegar.

Lançado no final de maio de 2019, ZUU é um álbum curto e sem grande complexidade lírica ou instrumental com o intuito de honrar a sua cidade natal e queimar os últimos cartuchos antes de começar a trabalhar no seu próximo grande projeto. É um álbum que Denzel lançou mais para se divertir do que propriamente para explorar tópicos complexos e pesados, como de resto revela uma das curiosidades que o marcam. A grande maioria do álbum foi gravada em freestyle, ou seja, a maioria das letras não foram sequer planeadas; Denzel inventou-as no momento em que estava a gravá-las. Ainda assim, no meio da simplicidade deste álbum, Curry continua a conseguir criar faixas memoráveis (como Ricky e Speedboat) e demonstrar as suas aptidões para contar uma história e para se adaptar a qualquer beat que lhe seja atirado para a frente.

Olhando para o percurso de Denzel Curry, é possível ver um padrão de qualidade ascendente e o começo da carreira de um artista que parece ainda ter muito para dizer e muito para mostrar ao mundo. Em comparação direta com os seus comuns, as diferenças são notáveis sendo que Curry, em termos técnicos surpreende: as flows estonteantes, o controlo de microfone inigualável e as barras únicas. A juntar a esta aptidão técnica, temos uma mente carregada de ideias e de vontade de deixar os seus ouvintes a refletir. Há sempre um conjunto restritode pessoas que acabam por marcar uma geração e independentemente das suas raízes, farão de tudo para que a sua voz seja ouvida entre os milhões de vozes que existem; Curry através de uma metodologia de trabalho muito rigorosa e um critério apurado, tem demonstrado a sua ambição por ser uma das vozes a gritar mais alto durante os próximos anos. Sendo assim, mantenhamos os ouvidos atentos aos seus futuros projetos.

Recentemente Denzel Curry teve mesmo a sua estreia televisiva, participando no conceituado programa Tonight Show de Jimmy Fallon, algo que confirma a ascensão e afirmação que este artigo relata.

https://www.youtube.com/watch?v=v8YNlH3fDnU

Texto de Pedro Caldeira

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