Afinal, as trotinetas eléctricas são amigas do ambiente como dizem?

Afinal, as trotinetas eléctricas são amigas do ambiente como dizem?

Se é verdade que as trotinetas são eléctricas e, por isso, não emitem directamente CO2, é preciso perceber como são usadas, como são carregadas e o que lhes acontece depois de “morrerem”.

As trotinetas eléctricas partilhadas já se tornaram parte do mobiliário urbano de várias cidades e vilas portuguesas. Desde a chegada da primeira operadora a Lisboa em Outubro do ano passado que perto de uma dezena de empresas diferentes quiseram competir na capital portuguesa. Algumas ficaram (e expandiram-se para outras localidades) – Lime, Bird, Circ, Tier, Frog e Hive –; outras deixaram Lisboa e mudaram de ares – VOI e Bungo; outras ainda simplesmente desapareceram do mapa – Iomo e Wind.

Certo é que de Faro a Paços de Ferreira, passando por Coimbra ou Almada, são milhares as trotinetas eléctricas espalhadas por ruas portuguesas e prontas para serem requisitadas através de uma app. Só em Lisboa contabilizavam-se em Maio passado mais de 5,5 mil veículos deste tipo.

As empresas (privadas) que operam estes serviços partilhados comunicam-nos como soluções de ‘micro-mobilidade’, pensadas para trajectos curtos e substitutas do automóvel. Dizem, por isso – e por se tratarem de veículos eléctricos –, que são opções amigas do ambiente. Mas será que as trotinetas que invadiram as nossas cidades são mesmo ecológicas?

Nos sites de algumas das operadoras de trotinetas eléctricas é possível ler mensagens como “deixar às futuras gerações um planeta mais limpo e saudável” ou “reduza as emissões de CO2 – uma viagem de cada vez”. E quando estas promessas ecológicas não surgem nos sites das marcas, aparecem nos comunicados de imprensa que são enviados às redacções. Uma das empresas com presença em Lisboa, a Frog, inclusive promete doar 1% dos seus lucros a “associações com preocupações ambientalistas e com acções com impacto positivo para o meio ambiente”.

O uso

Se é verdade que as trotinetas são eléctricas e, por isso, não emitem directamente CO2, é preciso perceber como são usadas, como são carregadas e o que lhes acontece depois de “morrerem”. Para começar, as trotinetas eléctricas só são melhores para o ambiente se substituírem viagens de carro, não uma deslocação a pé ou de bicicleta (não eléctrica). A partir de inquéritos feitos aos seus utilizadores em mais de 26 cidades, a Lime, por exemplo, diz que 1 em cada 3 viagens feitas nas suas trotinetas substituiu uma viagem de que teria sido feita de carro – feitas as contas, a empresa diz que já evitou cerca de 25 milhões de quilómetros de viagens automóvel e a emissão de 6,22 toneladas de CO2.

Imagem via Lime

Outros dados, que chegam de inquéritos realizados em cidades norte-americanas, onde as trotinetas também começaram a espalhar-se, dão conta de que há quem use menos o carro em favor das novas soluções, mas indicam também que as trotinetas também estão a substituir o uso de transportes públicos e o caminhar. As trotinetas parecem ser uma adição às cidades tão recente que ainda não se sabe bem como estão a ser usadas e as empresas acabadas de se instalar promovem-se através de campanhas semi-agressivas de oferta de códigos para angariar utilizadores – e quem não gosta de viagens à borla mesmo que possa ir a pé?

O carregamento

Outra questão pertinente é o carregamento. As tecnológicas que operam em Portugal serviços de trotinetas aplicam um de dois modelos (ou ambos): por um lado, utilizadores inscrevem-se para carregar trotinetas em suas casas e são pagos pela empresa por isso através da app (no universo da Lime as pessoas que o fazem chamam-se ‘juicers’); por outro, subcontratam a recolha e carregamento das trotinetas.

Screenshot via Facebook

Para avaliar quão verde é processo de carregamento, é preciso olhar para dois aspectos; primeiro, o modo como as trotinetas são transportadas até aos pontos de carregamento. É que se alguns fazem a recolha no seu bairro, outros percorrem a cidade em carrinhas grandes, podendo contribuir para a emissão do CO2 que as trotinetas deveriam estar a tirar das ruas. Também entra na equação o carro ou carrinha utilizado – se for um veículo antigo, mais poluidor deverá ser. O segundo ponto prende-se com a electricidade utilizada no recarregamento, se provém de fontes não limpas ou de fontes renováveis como o sol ou o vento. Vivendo numa cidade ‘abastecida a carvão’, o aumento de trotinetas eléctricas e do seu uso pode não significar uma boa notícia para o ambiente.

A durabilidade

Um terceiro ponto que é preciso levantar é relativamente à durabilidade das trotinetas. Um mesmo veículo pode realizar várias viagens por dia, está sujeito a actos mais brutos por parte de alguns utilizadores e o facto de estar na rua expõe-no a factores meteorológicos e a vandalismo. Fotos de trotinetas deitadas ao rio ou danificadas por Lisboa podem ser encontradas facilmente onlinesituações que não são exclusivas da capital portuguesa. E esse abandono de veículos em rios ou lagos, onde podem ficar perdidos, pode significar um novo tipo de lixo subaquático e é uma situação que, claro, preocupa ambientalistas.

Screenshot via Facebook

Para as empresas que gerem estes serviços de trotinetas, a inoperacionalização de alguns veículos implica um ritual de reparação e substituição, mas também de produção de novos equipamentos – e, como sabemos, as fábricas poluem. Quanto ao desperdício, empresas como a Lime e a Bird dizem que recolhem as trotinetas estragadas e aproveitam as suas partes para reparar outros veículos ou fazer novos. Essas operadoras estão também empenhadas em desenhar trotinetas mais robustas e resistentes – é o caso do modelo Bird Zero, aquele que está disponível em Lisboa.

Em última instância, cabe a nós, pessoas, fazer um uso ambientalmente correcto das trotinetas, usando-as em vez do automóvel mas não substituindo deslocações a pé, e tratando bem esses veículos. Empresas de trotinetas parecem surgir como cogumelos; há tantas que é fácil perdemos as contas. A base tecnológica e o negócio teoricamente escalável torna essas empresas atrativas àqueles investimentos absurdos que as start-ups de tecnologia costumam receber, principalmente quando estão no hype. Se o hype das trotinetas vai durar, não sabemos; mas sabemos que ainda é cedo para se conseguir medir ao certo o seu impacto nas cidades e no ambiente.

A própria informação disponível é contraditória, como nota o Financial Times. Por um lado, um estudo de investigadores independentes da empresa Rhodium Group diz que andar de trotineta eléctrica “tem menos pegada de carbono que um vegan a andar a pé”, estimando a emissão de apenas 17 g de CO2 por quilómetro – incluindo no cálculo o fabrico e a redistribuição das trotinetas. Por outro, Matt Chester, um analista de Washington DC, que já acusou as companhias de aluguer de trotinetas de ‘greenwashing’, diz que as trotinetas contribuem para 240-557 g de CO2, dependendo do processo de recarregamento e redistribuição – o fabrico é o que causa mais emissões; Matt considerou que as trotinetas fazem 500 viagens e viajam 1200 quilómetros antes de serem dispensadas.

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