Brockhampton: uma ‘boy band’ do século XXI

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Brockhampton: uma ‘boy band’ do século XXI

Os Brockhampton são muitos e bons. Pegam nas suas diferenças e tornam-nas em beats poderosos, letras fortes e numa energia que muito dificilmente se encontra em grupos do mesmo estilo.

Passaram pelo nosso país num concerto de estreia no Sumol Summer Fest, mas mesmo assim ainda não lhes é dada a devida atenção. Brockhampton é uma coletiva de hip-hop formada em San Marcos, no Texas. Autoproclamam-se uma boyband porque, nas palavras deles, são todos rapazes e formam uma banda. Querem também alterar o estigma normalmente associado a esta palavra.

Antes de serem o grupo que conhecemos hoje, começaram por ser os Alive Since Forever. A sua origem é apenas um dos casos em que a Internet demonstrou o seu poder: em 2013, Kevin Abstract (considerado o líder da banda) fez um post no fórum KanyeToThe porque queria formar uma banda. Foram vários os que responderam a este chamamento, no entanto, apenas cinco foram selecionados. Dois deles eram Ameer Vann e Dom McLennon, que mais tarde acabaram por fazer parte também dos Brockhampton. Os Alive Since Forever chegaram a lançar um EP em 2013, no entanto, por não estar totalmente satisfeito, Kevin anunciou em 2014 que ia sair do grupo e os restantes membros acabaram por se separar.

Em 2015, das cinzas dos ASF grupo nasceram finalmente os Brockhampton, nome dado ao grupo em homenagem à rua em que Kevin Abstract cresceu em Corpus Christi, no Texas. Em 2016, lançaram a sua primeira mixtape e fizeram algum furor em pequenas comunidades da Internet, por terem recorrido às redes sociais para disseminar o seu conteúdo. Foram reconhecidos pela sua coesão, dinâmica como grupo e pelos instrumentais frescos, mas o melhor ainda estava para vir.

Dois anos depois, após algumas alterações no grupo, fizeram o que parecia ser impossível: lançaram três álbuns no espaço de apenas seis meses (SATURATION, SATURATION II e SATURATION III). Para além de terem sido bem recebidos pelos fãs e pela crítica, colocaram o grupo nas bocas de várias comunidades espalhadas pelo mundo. Isto foi possível recorrendo de novo às redes sociais, como o Twitter, onde os vários membros publicaram links para os álbuns e incentivaram à sua partilha. A trilogia, intitulada de SATURATION, foi totalmente criada na casa onde os artistas viviam, em Los Angeles.

O ano de 2018 chegou e a banda já tinha alcançado um dos seus maiores sonhos: tocar no Camp Flog Gnaw, o festival organizado por Tyler The Creator, que é uma grande fonte de inspiração para todos os membros. Esgotaram salas de espetáculo pelos Estados Unidos, fizeram digressão europeia e estavam a crescer a um ritmo inigualável. No entanto, no final de maio, Ameer Vann, um dos membros mais louvados do grupo pela sua capacidade de criação de letras vívidas e devido à sua voz notavelmente mais grave, foi acusado de abuso sexual por várias mulheres e o grupo acabou por expulsá-lo.

Esta foi a primeira vez que o grupo recebeu uma onda de críticas bastantes negativas e em que houve uma divisão entre os fãs: alguns sentiram que a expulsão era desnecessária e que ia acabar por desmembrar o grupo, enquanto que outros apoiaram totalmente a decisão e consideraram que o grupo ia conseguir ultrapassar este obstáculo. As acusações não tiveram seguimento e Vann desapareceu totalmente das redes sociais. Desde então que não se ouviu falar mais do artista.

Cancelaram a tour, tiraram um tempo para poderem recuperar do assunto e em setembro de 2018 lançaram um novo álbum, iridescence. É um álbum diferente da trilogia de 2017, mas não deixa de impressionar os ouvintes com algumas faixas como “Weight” e “J’ouvert”. O álbum foi criado em apenas duas semanas, nos estúdios Abbey Road, em Londres.

O grupo é actualmente composto por catorze elementos no total: Kevin Abstract, Matt Champion, Merlyn Wood, Dom McLennon, Joba e Bearface são os cantores principais; Romil Hemnani, Jabari Manwa e Kiko Merley tratam da produção; Henock Sileshi tem a seu cargo a direção artística do grupo; Robert Ontenient é o web designer; Jon Nunes, o manager; Ashlan Grey, o fotógrafo; e Kevin Doan, que é o membro mais recente da coletiva e trata dos efeitos especiais. Apesar de cada membro ter a sua função, é de notar que por vezes todas essas funções se cruzam e o produto final apresentado é um esforço coletivo.

Destaco os seis artistas que cantam e os três produtores, visto que são os elementos que mais modelam o som dos Brockahmpton:

  • Clifford Ian Simpson, mais conhecido por Kevin Abstract, é o membro com mais bagagem musical do grupo. Lançou três álbuns a solo (o último na primeira metade deste ano) e tem uma grande paixão por cinematografia: foi ele quem dirigiu grande parte dos videoclipes da banda. Para além disto, é ele o responsável por grande parte dos refrães memoráveis, que iluminam as músicas da coletiva. Observando os seus projetos a solo e comparando-os com os projetos de Brockhampton, é possível verificar que a sua mão está muito presente em grande parte do material que é lançado pela banda.
  • Russell Boring, ou Joba para os amigos e fãs, pode ser descrito como versátil: ele escreve, canta, é engenheiro musical e produtor. Joba é também imprevisível porque é capaz de, no mesmo álbum, gritar os seus versos aos nossos ouvidos, demonstrando uma agressividade incomparável, e também de nos cantar melódica e vulneravelmente, como se nem do mesmo artista se tratasse. Exemplos disso são, por exemplo, “HEAT” e “FACE”, músicas de SATURATION.
  • Matt Champion é capaz de ser o membro mais smooth da banda. A sua atitude relaxada, em conjunto com a sua voz grave, tornam-no num dos melhores cantores que a coletiva possui no seu arsenal. Antes de se juntar ao grupo, já tinha lançado algumas músicas e um álbum a solo, HARLEY, que já não é possível encontrar nas plataformas de streaming.
  • Dominique Michael Simpson, ou simplesmente Dom McLennon, é possivelmente o melhor escritor da banda, já que desde cedo desenvolveu um gosto especial por literatura. Os seus versos são profundos, tocando em tópicos como depressão e doenças mentais, e a sua metodologia de escrita é diferente do que é costume, fazendo com que as suas rimas pareçam mais poesia do que propriamente rap.
  • William Wood Jr., ou Merlyn Wood, é conhecido pela sua energia contagiante. Nasceu no Gana mas cresceu no Texas e aí conheceu Abstract, Joba e Champion, enquanto andavam no liceu. Os seus versos são normalmente divertidos e mais altos do que os dos restantes membros. Estudou Arquitetura na Universidade do Texas durante anos, mas acabou por desistir para se juntar aos seus amigos na criação do grupo.
  • Ciarán McDonald ou Bearface é o único membro europeu do grupo, tendo nascido na Irlanda, e é conhecido por fechar todos os álbuns da trilogia SATURATION com a sua voz, muitas vezes descrita como angelical, e com a sua guitarra elétrica. Com a saída de Vann, Bearface passou a ter uma participação mais ativa no grupo, contribuindo para grande parte das músicas de iridescence. Antes de se juntar ao grupo, já estava sob o holofote de alguns fãs graças a remixes e covers que lançava na plataforma Bandcamp.
  • Romil Hemnani, Jabari Manwa e Kiko Merley são os mestres por detrás dos instrumentais utilizados pela banda. Antes de se juntarem aos Brockhampton, Manwa e Merley já formavam um duo de produtores, os Q3, mas nunca tinham lançado nenhum projecto. Durante esta altura, Manwa trabalhava num banco, dedicando os seus tempos livres a fazer beats, enquanto que Merley tentava construir um portfolio pedindo a amigos que rimassem por cima dos seus instrumentais. Em 2015, Abstract convidou a dupla para fazer parte do grupo. Romil destaca-se por ser o mastermind da produção nos Brockhampton, visto que foi o responsável por moldar o som que é lhes é tão característico, fazendo parte do grupo desde os tempos dos Alive Since Forever. Para além disto, teve mão em 33 das 48 músicas que compõem a trilogia SATURATION e contribuiu para todas as faixas de iridescence, tornando-se produtor mais activo dos três.

Os Brockhampton são muitos e bons, mas com tantas origens e histórias diferentes, seria de esperar que “coesão” não fosse uma palavra no seu dicionário. No entanto, pegam nas suas diferenças e tornam-nas em beats poderosos e fora do normal, letras fortes e com substância e numa energia que muito dificilmente se encontra em grupos do mesmo estilo. São, sem dúvida, um grupo que vale a pena acompanhar, ouvir e perceber, nem que seja só pela curiosidade de saber quem é o “Roberto” de que todos os fãs falam.

O seu novo álbum, GINGER, foi lançado na passada sexta-feira, dia 23 de Agosto.

Texto de Pedro Caldeira

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