A conversa profunda de Edward Snowden com Joe Rogan

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Edward Snowden

A conversa profunda de Edward Snowden com Joe Rogan

Uma entrevista que vale não só pelo que é dito mas também pela forma como é dito. Duas horas e meia sobre Governos, vigilância, 11 de Setembro e ensinamentos a reter.

Apesar de Edward Snowden falar para ganhar a vida não é todos os dias que temos a hipótese de o ouvir numa conversa profunda, como o próprio descreve. Os pedidos para entrevistas são mais que muitos mas na sua maioria sugerem que fale apenas 10 ou 15 minutos em resposta a perguntas fechadas e sem tempo para pensar nas respostas ou divagar pelos seus pensamentos e, por isso, são geralmente rejeitados. Joe Rogan teve uma sorte diferente e Snowden ligou-se digitalmente à experiência protagonizada pelo comediante norte-americano; o resultado são cerca de 2:30h de conversa em que o denunciante passa em revista grande parte da sua vida recente, nomeadamente desde que começou a colaborar com a inteligência norte-americana.

Em todo este tempo, as revelações não são muitas para quem conhece de perto a história de Snowden mas a forma como as faz acabam por surpreender qualquer um. Ao contrário do que podia ser expectável de ouvir de um dos homens mais procurados pelo governo norte-americano, Snowden fala com um tom de esperança e, mais supreendentemente, com crença nos governos. De resto, é isso que distingue a sua persona pública da de Julian Assange — e distinguiu desde o princípio do seu modo de actuação.

As horas de conversa na Joe Rogan Experience tiveram momentos em que Snowden praticamente enveredou pelo monólogo, mas a forma reflexiva com que abordou os vários assuntos deixam qualquer um preso ao ecrã. A falar via Skype a partir de parte incerta na Rússia, onde se mantém asilado depois de ter visto revogado o seu passaporte norte-americano, Edward falou não só sobre o momento da denúncia, o seu cuidado modus-operandi mas como sobre os seus últimos anos de vida privado de liberdade de viajar.

Antes de partir para a conversa propriamente dita, Snowden fez o seu momento de promoção suave perguntando a Rogan se já tinha lido o seu livro recentemente publicado ‘Vigilância Massiva, Registo Permanente’ e explicando-lhe que pouco do que ali diria seria diferente do que escreva recentemente nesse livro. Ainda assim, a conversa não deixou de ter interesse, servindo de resumo para quem não leu ou nem pensa ler o registo biográfico por escrito.

Snowden escreveu um livro: ‘Vigilância Massiva, Registo Permanente’

Numa passagem inicial curiosa, Snowden confessou que acha o logótipo do programa de Rogan muito mau e que por pouco a conversa não acontecia pela mácula causada por essa primeira impressão; contudo arrematou, dizendo que tendo em conta a sua experiência e a campanha do governo norte-americano para manchar a sua imagem pública, Snowden compreende perfeitamente que não se pode dar demasiada importância às primeiras impressões — afinal de contas é isso que o governo quer que façam consigo.

Já no decorrer do discurso, Snowden abordou a forma como chegou até ao seu posto de trabalho no Havai, de onde acabou por fazer todas as revelações — algo que o filme de Oliver Stone já tinha de certo modo dado a conhecer — e a forma como a partir daí coordenou a divulgação dos documentos. A partir dessas notas mais biográficas e de currículo, a conversa envereda por caminhos mais reflexivos sobre tecnologia e política.

Sobre tecnologia Snowden é peremptório: apesar de se confessar um amante das novas tecnologias teme a influência que estas podem ter nas nossas vidas, nomeadamente os smartphones, que pela sua constante conexão à rede podem ser aparelhos de espionagem altamente sofisticados sem que nos apercebamos. O denunciante alerta que mesmo quando o nosso telemóvel está aparentemente em descanso nunca sabemos o que ele está realmente a fazer — o exemplo que dá é óbvio mas de sublinhar. Snowden explica como cada telemóvel e cada cartão SIM têm números de registo próprios que permitem a associação a uma pessoa e que esses números são constantemente comunicados às ‘antenas’ que lhes permitem ter rede criando uma rede de geo-localização inexacta mas permanente. A isto acrescenta a ideia de que nem a Apple nem a Google (Android) são propriamente campeãs na proteção de privacidade, e que apesar de não terem de guardar a informação dos utilizadores para sempre o fazem porque vêm nela uma hipótese de lucro.

O ponto central nesta questão para Edward Snowden é que a experiência digital nunca mais será efémera, isto é, qualquer coisa que façamos online ficará muito provavelmente guardado para sempre em servidores por mais inútil que seja. E o mais ‘assustador’ é que não há grande alternativa a estar ligado sem estar sujeito a esta vigilância permanente.

Outro ponto importante a reter é a tendência da indústria para manter a informação invisível, quer seja a nível dos algoritmos que são executados, quer a nível das conexões que são estabelecidas. O utilizador raramente tem acesso à parte interna das aplicações que usa e, muitas vezes como já aqui reportámos, as aplicações aparentemente mais inofensivas acabam por  se revelar verdadeiras portas abertas para as nossas informações pessoais — seja através da localização GPS ou do mapeamento através das redes wifi. Para Snowden apesar do problema ser complexo, a questão é simples e prende-se com a desigualdade de informação.

“O problema é a desigualdade na informação disponível. Eles podem ver tudo sobre ti. Eles podem ver tudo sobre o que o teu equipamento está a fazer. Eles podem fazer o que quiserem com o teu equipamento, já o contrário é impedido pelos códigos-fonte fechados e as tecnologias proprietárias que suportam estas aplicações.”

Na questão política, como já referimos, Snowden revela uma surpreendente confiança nas entidades governamentais; contudo aponta o dedo aos últimos Presidentes dos Estados Unidos da América, sobretudo desde o 11 de Setembro, por continuarem a permitir a existência deste sistema de vigilância massiva que, sob o pretexto da luta anti-terrorista, viola o direito constitucional à privacidade de cidadãos de toda a América e, no geral, de todo o mundo.

Nesta questão particular do 11 de Setembro, Snowden diz que acredita que o ataque podia ter sido evitado se os vários órgãos de inteligência dos EUA tivessem comunicado entre si e não houvesse tanta restrição generalizada na partilha de informação.

Para além de assuntos sérios, Snowden também enveredou momentaneamente pelos fait divers, que entretanto circularam na opinião pública, e numa curta passagem pelo assunto garante que na sua busca interna não encontrou registos de contactos com aliens, verificou que o aquecimento global é uma realidade e que os famosos chemtrails não passam de uma teoria da conspiração.

A conversa vale não só pelo que é dito mas também pela forma como é dito, pelo que qualquer resumo que se tente fazer peque sempre por pouco. Por isso, aqui fica o link para o episódio completo ou para quem prefere a leitura, para uma transcrição do que foi dito por Snowden.

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  • João Gabriel Ribeiro

    O João Gabriel Ribeiro é Co-Fundador e Director do Shifter. Assume-se como auto-didacta obsessivo e procura as raízes de outros temas de interesse como design, tecnologia e novos media.

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