Os regimes políticos e as crises democráticas: afinal, o que leva a ‘deadlocks’ políticos?

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Jair Bolsonaro lidera um Governo Presidencialista no Brasil (foto de Alan Santos/Palácio do Planalto via Flickr)

Os regimes políticos e as crises democráticas: afinal, o que leva a ‘deadlocks’ políticos?

A democracia precisa de quem pare para pensar.

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Será que a instabilidade democrática se relaciona com o Presidencialismo? Será que o regime político pode ter um papel assim tão preponderante para evitar ou potenciar deadlocks políticos – isto é, sucessivas quedas de Governos?

À porta das eleições (e é mesmo só à porta), surgem as propostas dos partidos. Ora, o partido CHEGA propõe acabar com a figura de Primeiro-Ministro. Ou seja, propõe que o sistema semi-Presidencialista em vigor em Portugal se transforme num regime Presidencialista. Tal proposta trouxe-me de volta à cabeça um padrão que tenho vindo a notar desde 2016: será que a instabilidade democrática se relaciona com o Presidencialismo? Será que o regime político pode ter um papel assim tão preponderante para evitar ou potenciar deadlocks políticos – isto é, sucessivas quedas de Governos?

Spoiler alert: depende. Vejamos, é irrealista traduzir o sucesso de uma democracia a uma dimensão, seja ela o tipo de sistema, o produto interno bruto ou outra. É um sistema complexo em que pequenas perturbações podem levar a resultados bem diferentes consoante os países. Porquê? É difícil responder e, quando assim é, mais vale virarmo-nos para a História. Vamos lá então olhar para o passado para tentar perceber o presente.

Retornemos a 1787, ano da criação da Constituição dos Estados Unidos da América, uma das primeiras a definir a separação de poderes em executivo, legislativo e judicial para construir uma democracia que é, hoje, uma das mais antigas do mundo, não tendo registos formais de ditaduras, portanto, em 232 anos. Podemos, assim, quase apontar os EUA como uma referência para um sistema Presidencialista. Afinal, o regime Presidencialista que os EUA adotaram parece ter sido estável durante mais de dois séculos. Todavia, os últimos anos mostraram que não estão livres de movimentos de extrema direita ou da eleição de um lunático.

Fast-forward para o presente, após duas Guerras Mundiais, dissoluções de Monarquias e construção de novas Democracias.

A primeira curiosidade surge na distribuição geográfica dos sistemas políticos: verificamos que nenhuma Democracia na Europa aplica(va) este tipo de regime. Na verdade, a Turquia adotou um sistema Presidencialista em 2018. Portanto reformulando, nenhum país na União Europeia aplica este sistema.

É tentador fazer uma sobreposição entre os países que têm em vigor um sistema Presidencialista e os países com maior instabilidade política e movimentos de Extrema-Direita, como o Brasil, a supra- mencionada Turquia e muitos países da América do Sul. Mas correlação não implica causalidade e o que pode confundir nessa relação é que muitos destes países também têm um rendimento per capita muito baixo, o que pode ser uma causa mais provável para a instabilidade política dos mesmos do que propriamente o tipo de regime Presidencialista.

Além disso, apesar da condição inicial da separação dos poderes em executivo (Presidente) legislativo (Parlamento/Congresso) e legislativo (tribunais) ser o lema dos Governos Presidencialistas, a verdade é que consoante a constituição do país há mais ou menos leaks de poderes legislativos para o Presidente, o que, associado a um rendimento baixo, pode contribuir ainda mais para a instabilidade política. Isto significa que, embora quer os EUA, quer o Brasil tenham um Presidente lunático e um sistema Presidencialista, o último, pelo seu contexto socio-económico, tem um risco de colapso superior. Portanto, não vale a pena copiar sistemas sem olhar ao contexto do país.

Em Portugal o regime é semi-Presidencialista, uma espécie de meio termo entre o regime Presidencialista e o regime parlamentarista, em que os leaks ocorrem do poder executivo para o poder legislativo. Mas não fiquemos com a ideia de que os regimes se tornam crescentemente estáveis à medida que se tornam mais parlamentaristas. Aliás, se há coisa que podemos dizer sobre a terceira república portuguesa é que é, sem dúvida, mais estável do que a primeira, que, curiosamente, era bastante mais parlamentarista. Ou seja, não foi a adoção de um regime parlamentarista em Portugal no início do século XX que lhe garantiu alguma estabilidade. Na verdade, neste momento não haverá melhor exemplo de instabilidade política na UE do que o Reino Unido, de sistema parlamentarista. Aliás, o pedido de suspensão do parlamento denota isso mesmo.

A razão para a Europa preferir regimes parlamentaristas ou semi-Presidencialistas pode ser sobretudo pela memória histórica dos reis absolutistas, imperadores e ditadores. E a razão para um governo cair ou não prende-se com a maior ou menor capacidade de evitar deadlocks. Ora, insatisfação e falta de acordos são os dois gatilhos para deadlocks que, por sua vez, dependem bastante das condições da altura.

Em suma, não parece haver dados suficientes para associar, isoladamente, um tipo de regime a mais ou menos instabilidade. O que sabemos é que um país internamente instável não consegue ter relações externas estáveis. Ficamos para ver o que é que o século XXI nos traz e que papel uniões económicas e políticas como a União Europeia têm num século em que a consciência global ser afigura preponderante para tratar questões como as alterações climáticas.

(P.S.: Não tenho qualquer formação académica em política, sou apenas curiosa e gosto de tentar encontrar padrões no mundo e de os quantificar. Fica aqui apenas uma reflexão qualitativa. Espero que possa servir para motivar outras reflexões.)

Texto de Juliana Couras

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