Perguntámos a várias pessoas diferentes as suas prioridades para o país

Perguntámos a várias pessoas diferentes as suas prioridades para o país

Interessou-nos saber quais os desafios que Portugal enfrenta, não necessariamente as prioridades que o próximo Governo deverá agarrar. E interessou-nos ouvir pessoas diferentes, não só ao nível daquilo em que acreditam mas também em termos de ocupação profissional, para que as preocupações levantadas neste artigo fossem variadas e diversas.

Este domingo, 6 de Outubro, Portugal vai a votos para definir a sua próxima Assembleia da República. Em boa verdade, mais de 50 mil pessoas já votaram no domingo passado, usufruindo da facilidade de voto antecipado. E caso tenhas apanhado este artigo já depois de apurados os resultados, já sabendo tudo sobre o próximo Governo, não te preocupes que ele mantém-se pertinente.

Interessou-nos saber quais os desafios que Portugal enfrenta, não necessariamente as prioridades que o próximo Governo deverá agarrar. E interessou-nos ouvir pessoas diferentes, não só ao nível daquilo em que acreditam mas também em termos de ocupação profissional, para que as preocupações levantadas neste artigo fossem variadas e diversas. Podemos chamar-lhes especialistas, mas não são investigadores porque esses o Fumaça já tem escutado e bem – são pessoas comuns, mas pessoas activas socialmente. Temos o Pedro Santos, do Fumaça e, por isso, um olhar analítico de jornalista; o Pedro Oliveira, co-fundador da Landing Jobs, ou seja, alguém que empreendeu o seu negócio e que o expandiu lá para fora; o Luís Ferreira, que é apaixonado por activar territórios, não só o de Cem Soldos (Bons Sons), como o de Ílhavo (23 Milhas) ou o do Médio Tejo (Caminhos); a Lara Seixo Rodrigues, a mulher que dá cor às cidades sem pintar e que, mesmo sendo da cidade, conhece bem o interior; o Miguel Barroso, arquitecto que sabe melhor que muitos como uma cidade se move e se deve mover; o João Pina (Fogos.pt e Suprimidos.pt), que é todo pela transparência das organizações públicas e está sempre à procura de falhas nos sistemas informáticos; o Marcos Marado, da Associação Nacional para o Software Livre, um activo defensor do software livre e dos direitos digital; e o Fábio Lopes – ou Conguito –, um jovem interessado que saltou do YouTube para as manhãs da rádio Mega e para o Instagram.

O critério por detrás da selecção destas individualidades foi muito pessoal: são pessoas com quem, aqui no Shifter, nos relacionámos recentemente, seja porque as entrevistámos, seja por termos uma relação profissional próxima, como é o caso do Pedro do Fumaça, projecto do qual somos parceiros.  Esperamos que esta lista seja útil e elucidativa dos desafios que Portugal enfrenta. Que dê pistas, apresente perguntas e proponha caminhos. A caixa de comentários e o comunidade@shifter.pt estão abertos a quem queira discutir estas posições e acrescentar as suas ideias.

Pedro Santos (Fumaça)

1 – E se o país decretasse uma moratória ao pagamento da dívida pública, até que fosse renegociada, no pressuposto de que a primeira obrigação do Estado é o cumprimento da Constituição da República Portuguesa, garantindo o respeito pelos Direitos Humanos e condições de vida dignas e justas para toda a gente?

2 – E se o país assegurasse constitucionalmente o controlo e gestão público, participado, comunitário e democrático de todos os bens comuns (áreas protegidas, florestas, água, sementes, ar, recursos energéticos e minerais, etc.) em território nacional, proibindo a sua privatização?

3 – E se fossem requisitados todos os edifícios devolutos, transformando-os em propriedades de usos sociais e coletivos públicos: habitação, educação, saúde, cultura, desporto, apoio social e atividades associativas; e se se garantisse ainda que todas as terras sem dono ou sem uso seriam alocadas a modelos de produção agrícola, silvícola e pastoril ecológicos destinados a garantir a soberania alimentar?

Pedro Santos (foto de Fumaça)

Marcos Marado (ANSOL)

Um dos desafios mais importantes que Portugal tem de enfrentar é a questão da responsabilidade e responsabilização. Queremos um país mais justo, mas para isso precisamos que, na sua base, as leis, e a justiça, sejam respeitadas. Casos como o recorrente incumprimento das regras de contratação públicas, ou da Lei das Normas Abertas pelas instituições públicas e pela própria Assembleia da República e Governo, demonstram que ainda há muito a fazer para que haja responsabilidade na gestão do nosso país, e do nosso futuro.

Mas se o desafio anterior é importante, o próximo é urgente. A crise climática, provada pela ciência, é particularmente problemática por duas particularidades. Por um lado, é um tema que não é possível evitar. Haja ou não consensos na forma de agir, a opção de continuar sem nada fazer não é viável: nós podemos adiar soluções, mas os problemas não esperam, e continuam a agravar-se. Por outro lado, é um problema para o qual ainda não há verdadeiras soluções. E é aqui que está o maior desafio. É preciso adoptar uma postura e abordagens diferentes ao desenvolvimento científico. A investigação tem de ser feita em modelos de Open Science, todos os dados deverão ser abertos, todo o software produzido terá de ser livre. Só assim se garante o desenvolvimento contínuo e célere da ciência, com a qualidade e reprodutibilidade necessárias para que se encontrem caminhos, e a partir deles soluções.

Finalmente, urge dar acesso aos meios para que os cidadãos possam realmente usufruir do espaço e do bem comum. Quer isto dizer que o público tem o direito, e o Estado o dever, de acesso aos dados públicos, que devem ser disponibilizados de forma aberta. Uma política pública de dados abertos não só contribui para a proximidade dos cidadãos ao que é de domínio público (podendo até funcionar como uma medida de combate à abstenção, por exemplo), como ajuda à transparência, tão importante para combater de forma eficaz outros fenómenos que infelizmente permeiam no nosso país, como a corrupção. As novas formas de produção e consumo de informação e conteúdo que advêm de uma política forte de dados abertos, beneficiam não só o tecido social, como também o económico, e tudo isto a partir daquilo que já é de todos: os nossos dados.

Marcos Marado (foto do próprio)

Fábio Lopes (Conguito)

A questão cultural e das artes está no topo da lista de coisas que gostava que fossem valorizadas nos próximos 4 anos. Somos um país que sabe produzir como ninguém, mesmo com poucos ou nenhuns recursos. O problema é que um actor só é bom actor quando tem sucesso no exterior, um músico só é reconhecido quando tem um álbum elogiado pela crítica internacional e um artista plástico só é bem visto quando abre uma galeria de arte no estrangeiro. Não quero falar em percentagens mas gostava de ver os orçamentos de estado e os números de consumidores de “produtos nacionais” quadruplicarem durante o próximo mandato, algo que poderá acontecer se criarmos programas de apoios a jovens artistas e eventos que reúnem novos artistas com artistas conceituados.

Enquanto escrevo este artigo tenho imensos sites de agências imobiliárias abertos. Sou mais um jovem à procura de casa na cidade de Lisboa mas não passo disso. A criação de programas que permitam aos jovens habitar nos centros das cidades, combater o alojamento local e fiscalizar os mesmos tem de ser uma realidade “já para amanhã”. Gostava que fossem realizados investimentos para reabilitar zonas devolutas das cidades, oferecendo condições a habitação jovem.

Apesar de não conseguir viver no centro da cidade tenho noção que sou um rapaz privilegiado. Não sou um trabalhador independente e tenho um contrato de trabalho. Algo que nos dias de hoje parece ser raro para um jovem de 24 anos. A verdade é que é impossível pensar num futuro próspero para o nosso país e não garantir melhores condições para os jovens trabalhadores, acabar com os falsos recibos verdes tem de ser uma prioridade e um desafio para o país.

Fábio Lopes (foto de Shifter)

Miguel Barroso (Urbactiv)

Apostar na mobilidade ativa como prioridade nacional. Facilitar e promover o andar a pé e de bicicleta. As vantagens desta aposta (para a saúde, ambiente, segurança rodoviária, etc) traduzem-se em benefícios económicos incomparáveis – por cada 1€ investido, o retorno pode ascender aos 20€.

Orientar as estratégias urbanas para a escala humana. A obra “Cidades Para Pessoas” de Jan Ghel é um manual incontornável. Aumentar densidades, sem aumentar cérceas, desenhar ruas onde a vida acontece, centradas nas pessoas e não na mobilidade automóvel. Esta lógica é válida tanto nas cidades como em pequenas vilas e aldeias.

Planeamento estratégico para o sector do transporte público (Transit Act). Aumentar e adequar a qualidade do serviço, e garantir a sua universalidade. Apostar na ferrovia a nível nacional; em serviços mais ligeiros mas em sítio próprio nas zonas de maior densidade; adequar a oferta às realidades de cada aglomerado populacional, sempre numa lógica de sustentabilidade e de serviço público.

Miguel Barroso (foto de Shifter)

Lara Seixo Rodrigues (Mistaker Maker)

Coesão territorial. Obviamente é um tema muito sensível e urgente para mim, por razões óbvias. Sou do Interior, a viver há muito na capital, mas movimentando-me por todo o País e principalmente, fora dos grandes centros. Isto permite-me uma visão mais alargada do território, das desigualdades, das oportunidades e limitações entre várias zonas do território nacional, e nas mais variadas áreas (saúde, oportunidades de trabalho, acesso ao estudo e cultura, transportes, etc.). Ano após ano, governo após governo, falamos muito deste tema, ouvimos promessas de medidas que visam uma descentralização e um novo olhar e cuidado ao interior, mas a verdade é que pouco ou nada se tem efectivamente concretizado (leia-se: com resultados efectivos) para mudar esta tendência de centralização e litoralização do território português.

Uma nota e não querendo entrar muito em observações políticas ou (principalmente) partidárias, para quem seguiu os debates e entrevistas aos líderes durante as últimas semanas, somente 1 vez se falou do interior e ao de leve no tema regionalização, o que revela o pouco interesse do tema e esquecimento por uma faixa enorme do nosso território.

Este tema, leva-me a outros como uma desejável redução de desigualdades ou o desenvolvimento de cidades e comunidades mais sustentáveis, todo um cenário objectivado pela OCDE que parece todavia não estar na prática diária ou mero pensamento dos nossos políticos e de cada um de nós.

Demografia. As últimas linhas do tema anterior, levam-me a outra problemática, que sendo ela um cenário também internacional, Portugal se apresenta como um dos países da Europa com um dos maiores índices de envelhecimento da sua população. E eu atrever-me-ia a afirmar que, comparativamente, poderá ser um dos países menos preparado para dar respostas de qualidade ou minimamente viáveis a esta realidade (já de hoje). Refiro-me à escassez de projectos (e negócios) que visam a promoção de um envelhecimento activo (que naturalmente resulta num atraso ao necessário cuidado médico), à escassez de locais de acolhimento, de residências assistidas ou outras formas de residência destinadas a esta faixa etária, ao deficiente apoio e cuidado domiciliário, à simples empatia urbanística das nossas cidades; ao reduzido número de licenciaturas de animadores sociais (tendo como público alvo o idos), à escassez de unidades de cuidados paliativos ou à integração no mercado de trabalho (tendo em conta todo o saber que abunda por estas faixas etáriaS). É um tema que facilmente ‘derrapa’ para muitos outros e que se cruza com outros tantos e que, mais do que nunca, necessita de um olhar e cuidado atento.

Acção climática. Não haverá muito a acrescentar a este tema que está (ou deveria estar) na agenda dos nossos dias. Há no entanto ainda muito por fazer, para cada um de nós fazer nos nossos dias, nas nossas casas, nas nossas famílias, cidades e regiões, face a um desenvolvimento (e comportamento) mais sustentável, tendo em vista uma menor pegada ambiental. Termos como reciclagem (falo em termos, porque para muitos todavia não é comportamento), reutilização, economia circular, etc; todavia se apresentam como abstracções sem compromisso.

Como outros temas, este também toca em muitos outros e, no que se refere ao nosso País, seria interessar ‘despertar’ o debate sobre a seca e/ou poluição dos nossos rios, a agricultura intensiva ou floresta sustentável vs plantação de eucalipto.

Lara Seixo Rodrigues (foto de Shifter)

João Pina (Fogos.pt)

Protecção civil. A cada ano que passa, com toda a questão das alterações climáticas, temos cada vez mais fenómenos meteorológicos adversos e incêndios mais graves. O atual sistema de alerta às populações não só é ineficiente como pode meter em causa as próprias comunicações das populações. Sendo que a alternativa a estes sistema, mais eficaz e com mais vantagens, é apenas uma questão política, será um desafio importante para o próximo governo resolver.

Transparência. A transparência faz-se de muitas formas. Aquela que coloco como desafio para o próximo governo é a que disponibiliza dados abertos para qualquer cidadão usar como bem entender.

Segurança informática. É um desafio para qualquer pessoa, muito embora não é qualquer pessoa que tem a responsabilidade de um governo. É preciso criar ciclos de deploys de software onde tem que passar obrigatoriamente pela auditoria de uma equipa de segurança antes de ser disponibilizado para as populações.

João Pina (foto de Associação Começar Hoje)

Luís Ferreira (Bons Sons)

Planeamento territorial, ensino e cultura são, a meu ver, três áreas complementares que carecem de um olhar atento e de projetos estratégicos que invertam a realidade atual. São áreas de transformação e de emponderamento da sociedade e as únicas que poderão tornar o país mais dinâmico, múltiplo e trazer consigo mais qualidade de vida.

Planeamento do território. Gostaria de ver medidas efectivas de planeamento territorial. Que combatam a desertificação dos territórios não costeiros, que crie regras claras para as monoculturas intensivas. É preciso um pensamento articulado que combata o êxodo rural e que, simultaneamente, valorize os produtos autóctones. Acredito que a agricultura sustentável, a cultura, o ensino e o turismo podem ser os primeiros motores do interior do país. Apoio também incentivos fiscais para a fixação de empresas no interior.

Estruturação de um plano para a cultura. É urgente dotar as direções regionais da cultura com financiamento e competências para a criação de projetos que invertam o pousio cultural de grande parte do país. Defendo a criação e projetos que envolvam públicos, que devolvam às comunidades as práticas culturais e criem espaços de criação e pensamento no interior do país. É preciso ainda criar estruturas com direções artísticas independentes do poder político, que dinamizem os territórios, valorizando-os e transformando o sentimento de pertença e a atractividade do mesmo.

Diversidade no ensino. Deveríamos pugnar por um ensino focado no aluno, na criação de problemas práticos, que aumentem a capacidade de pesquisa, os espirito crítico e as competências de comunicação. Isto significaria um ensino diversificado, que devolva às escolas uma ação local, tirando partido do seu entorno como uma sala de aula em contexto. No fundo, quer-se uma escola que forme cidadãos conscientes, com ferramentas para os desafios contemporâneos.

Luís Ferreira (foto de Tiago Ferreira/Shifter)

Pedro Oliveira (Landing Jobs)

O grande desafio para Portugal passa por reinventar-se, a última vez que existiu um propósito nacional foi: 1) a organização do Euro 2004 e 2) da Expo 1998 e, ainda antes disso, 3) a preparação e efectiva entrada na União Europeia.

Repare-se que sempre que nos unimos, conseguimos executar com algum brio profissional. E, estes três momentos tiveram consequências para o futuro do país. A Expo 1998 literalmente “inventou” o actual Parque das Nações, o Euro 2004 foi o primeiro passo para fortalecer a indústria nacional do futebol (e também futsal) que culminou 12 anos depois na conquista do titulo de Campeão Europeu. E, a entrada na U.E. que tantos benefícios trouxe ao nosso cantinho Europeu.

No entanto, falta um comprometimento com uma missão superior e uma estratégia longo-prazo para a nossa nação, que tenha em conta as características únicas culturais e geográficas de Portugal.

O estado da nação actual acaba por ser mesquinho e inconsequente, pouco podem os Governos fazer em apenas quatro anos. Precisamos de um modelo de governância político bastante melhorado e de uma justiça independente e forte que dê força a esse novo modelo e, consequentemente, suporte a visão longo-prazo do país (que é praticamente inexistente).

Pedro Oliveira (foto de Landing Jobs)

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