Sociedade da informação: a crise do facto?

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Foto de Elijah O'Donnell via Unsplash

Sociedade da informação: a crise do facto?

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Tornou-se difícil saber quando é que uma informação ou noticia tem uma base sólida. Atualmente é demasiado fácil cair na armadilha de formular uma opinião falseada, isto é, sobre um facto que nem sequer é facto, não existe.

A vontade de saber mais não se manifesta em todos nós – a sociedade contém o intelectual, o interessado ou o commumente apelidado de “curioso”. Mas nem só destes se compõe essa sociedade – tem também seres contrastantes, aqueles que se permitem viver na inércia da ignorância ou na felicidade da inocência, isto é, que não possuem a vontade de aprofundar o que quer que seja.

Vivemos uma época sincrética, em que as factualidades vivem um período penoso, uma época de relatividade galopante das ideias e das coisas. A palavra “penoso” pode induzir-nos em negatividade e pessimismo, mas não terá de ser necessariamente dessa forma. A relatividade crescente representa desde logo um incremento da liberdade, uma ausência cada vez maior do absoluto e de cada vez mais podermos exprimir o que pensamos e desejamos.

Continuando a negar o pessimismo, nunca houve tão pouco belicismo e tanta paz geral, tanta saúde, refletida no aumento gradual da esperança média de vida ou ainda tanta tolerância com o multiculturalismo crescente a ser a personificação da mesma. Não invalida que problemas como o racismo, no que à tolerância diz respeito, ou qualquer forma de opressão em contraste com a liberdade não continuem a ser problemáticas do nosso tempo. Devem, sem dúvida, continuar a ser pedras basilares nas conquistas humanas.

Vemos, lemos, ouvimos, observamos e recordamos, percebemos que existe uma luta eterna entre a verdade e a mentira, tal como percebemos que o ser humano ainda tem dificuldade para ir além da dualidade da vida – vida ou morte, sim ou não, amar ou odiarO meio termo deixa-nos confusos, com receio da dúvida e da compreensão enviesada, a simplicidade do “sim ou não” tende a permitir um estado de maior tranquilidade e conforto, a dúvida corrói-nos.

Essa dúvida corrompedora afeta particularmente os que comecei por referir, que perseguem o conhecimento por si só, independentemente da área e da motivação. Reina uma vaga crescente e oposta, uma vaga de desinteressados, de demissionários do conhecimento e da curiosidade, divididos entre os que estão cientes de que o são e que conscientemente o aceitam, e os que se deixam levar na “ilusória smartphónica”, sentindo-se atualizados numa vaga de informação e “contra-informação” proponente da era digital e da sociedade da informação. A estes, a crise dos factos e do absoluto pouco ou nada corrói.

Existem variáveis que foram, e serão sempre, difíceis de medir com exatidão; outras ainda guardam uma complexidade por descobrir; temos mais recursos tecnológicos para ajuizar um encontro de futebol e cada vez mais dúvidas; foram praticamente supridas as falhas do que é físico, da acuidade visual, o que veio salientar a dificuldade transcendental do ser humano, a dificuldade de interpretação e de consciência, mesmo com um procedimento ou regulamento a servir de base.

Tornou-se difícil saber quando é que uma informação ou noticia tem uma base sólida, que poderá servir a uma interpretação e opinião de “senso-comum”, sendo posteriormente passível de concordância com a maior parte da opinião pública. Atualmente é demasiado fácil cair na armadilha de formular uma opinião falseada, isto é, sobre um facto que nem sequer é facto, não existe. Existem inúmeros exemplos, a jovem ativista climática sueca Greta Thunberg será produto de lobbies e de uma fabricação mediática meticulosa? Ou um exemplo de superação, consciência de humanidade e activismo?

Existem teorias sólidas que sustentam ambas as visões, não existe para quem absorve a temática a uma distância considerável, forma de atingir a resposta exata, o facto. Resta esperar que surjam mais dados, se é que alguma vez irão surgir, dados que permitiam aproximar a interpretação do absoluto. Ficamos, até agora, por uma interpretação enviesada, fabricada em parte por todas as nossas experiências passadas e concessões de vida que previamente concebemos.

Temos dificuldade em navegar no portento informativo que temos ao dispor na era millennial, de pouco nos vale a infinitude informativa se não a sabemos explorar, temos de aprender, aprender nunca pode passar por sermos demissionários na busca do conhecimento, seja ele exterior ou interior, para que sejamos mais “ser” amanhã do que somos hoje, optimizando as componentes que achamos ser necessárias.

Tornou-se mais cómodo permitir que sejam os órgãos de comunicação e/ou as correntes mediáticas opinativas a definir o que é relevante, conhecimento e o que assume a prioridade global. Recentemente, podemos colocar a instabilidade social e política em solo venezuelano e a calamidade amazónica como exemplos. Foram os temas dominantes durante largo período, ignorando os incêndios noutras geografias, como, a título de exemplo, em Angola ou o número de incêndios noutros períodos de governação brasileira, como no da liderança de Lula da Silva. 

Ignorando outras instabilidades políticas e sociais que foram completamente ofuscadas pela temática Venezuela, que caiu praticamente no esquecimento público, estando o conhecimento da conjuntura atual praticamente reservado aos profissionais da área, como os politólogos ou corpos diplomáticos. Enredamento simples, quase imperceptível para o cidadão, perdido na informação e contra-informação, no dito que foi dado por não dito. Este estado da sociedade inquieta o interessado, o atento, o intelectual e curioso.

Resta-nos persistir e não cair na teia, aprender a navegar na era da informação, aprender a tolerar a dramaturgia em que a informação credível e o conhecimento se enredaram, resistindo ao enviesamento impulsivo e, à quase, necessidade opinativa que os que querem saber sempre mais possuem, que correm atualmente e mais do que nunca, o risco de verem as suas interpretações construídas em cima de dados e factos falsos. 

Termino, salientando que defini um espectro logo à partida, com os perseguidores de conhecimento de um lado, e os que o desprezam do outro, abordando apenas as duas extremidades. Um espectro possui matéria entre os dois extremos, possui matéria variável. O ser humano prefere a segurança de medir o exato, o facto.

Para os que acreditam que o conhecimento é a engrenagem da evolução da humanidade fica uma mensagem, deixada pelo russo Fyodor Dostoyevsky:

“Dor e sofrimento são sempre inevitáveis para a larga inteligência e o coração profundo.” – Fyodor Dostoyevsky, em Crime e Castigo, 1866.

Texto de Francisco Viana

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