RADAR #0: da Catalunha a Hong Kong

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Imagem de Shifter com foto de Masha Gladkova, via Flickr (CC BY 2.0)

RADAR #0: da Catalunha a Hong Kong

A democracia precisa de quem pare para pensar.

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Neste primeiro RADAR, olhamos para a Catalunha, Chile, Equador e Líbano, fazendo ainda uma breve viagem pela União Europeia e pelo Brexit. Brasil, Hong Kong e Japão também não ficam de fora.

No RADAR queremos pôr-te a par do que se passa no mundo real, sem que tenhas de consumir 500 artigos diferentes, correndo o risco de “perder o fio à meada”.

Nesta nova rubrica do Shifter, que hoje estreamos através deste número 0 e que terá periodicidade mensal a partir daqui, passaremos em revista os principais temas que marcam a actualidade política internacional. Lançaremos o nosso RADAR sempre no final de cada mês.

Cada número do RADAR vai ser publicado em shifter.pt e também enviado por e-mail, através de um boletim que terá o mesmo nome e que podes assinar aqui. Além disso, e porque o mundo não roda só uma vez por mês, diariamente em shifter.pt/radar iremos dar conta do que está a acontecer, através de notas do Shifter e de trabalhos de outros órgãos de comunicação social.

Neste RADAR #0, olhamos para a Catalunha, Chile, Equador e Líbano, fazendo ainda uma breve viagem pela União Europeia e pelo Brexit. Brasil, Hong Kong e Japão também não ficam de fora.

Catalunha

Para quem aterrou agora no assunto:Catalunha nunca chegou a ser uma nação independente, mas tem um Governo próprio conhecido como Generalitat. Além de ter aspetos culturais completamente diferentes do restante território do Estado espanhol, a Catalunha tem um idioma próprio – o catalão – e não se reconhece como parte de Espanha.

Para quem sabe umas coisas mas não acompanhou os últimos anos da história: a Catalunha reacendeu o debate da independência em 2010 e, em 2014 a Generalitat convocou uma consulta popular (de caráter simbólico, diferente de um referendo), onde 80% dos 2,3 milhões de votos escolheram o “sim”, a decisão foi considerada ilegal.

Foto de Xavi Ariza/Fotomovimiento via Flickr

Em 2015, a coligação Juntos Pelo Sim – que juntou diversos partidos políticos, defensores do independentismo catalão, como a Convergência Democrática Catalã e a Esquerda Republicana da Catalunha, além de diversas associações e movimentos cívicos, que defendem a independência da Catalunha – juntou-se com a Candidatura de Unidade Popular, de esquerda, para formar um Governo. Carles Puigdemont, da Convergência Democrática Catalã, assumiu a presidência da região autónoma da Catalunha, prometendo a convocação unilateral de outro referendo, que foi realizado no dia 1 de Outubro de 2017.

De seguida, foi aplicado o Artigo 155º da Constituição espanhola, que retirou a autonomia à Catalunha, e convocadas novas eleições para a Generalitat – uma maioria independentista saiu vencedora. No decurso do referendo convocado unilateralmente e da declaração da independência por parte do Governo em posse aquando da sua realização, o Estado espanhol decidiu levar a tribunal por crimes de sedição e desvio de fundos 12 dos seus promotores.

A insistência do Estado espanhol em constituir presos políticos para resolver a situação tem levado a uma profunda deterioração política e social na Catalunha e é, hoje, parece ser o maior obstáculo a qualquer caminho democrático. A existência de presos políticos e exilados, juntamente com violência policial nas ruas e manifestações pacíficas, são tradução directa da suspensão dos mais elementares direitos democráticos.

Na onda de indignação contra a condenação de 12 líderes independentistas catalães a penas entre os 9 e os 13 anos de prisão, a desobediência civil catalã foi o caminho escolhido. A rede Tsunami Democrático mobilizou as bases dos mais diversos sectores catalães contra o que considera ser a criminalização do independentismo, prometendo gerar uma crise generalizada no Estado espanhol. As tácticas para tal passam por bloquear aeroportos, estradas e estações de comboios, durante o tempo que for necessário, ao mesmo tempo que decorrem protestos e greves, convocadas por diversos partidos, associações e sindicatos. Já estão convocadas mais greves, concentrações e manifestações.

O conflito aberto na Catalunha será com certeza um dos assuntos mais marcantes das Eleições Gerais marcadas para o dia 10 de Novembro; analistas políticas apontam mesmo este horizonte como um dos motivos por que o Estado Espanhol tem sido mais inerte na tomada de uma posição de diálogo, alegadamente por não querer comprometer a retórica eleitoral.

Chile

No Chile, os protestos continuam. Depois de mandar tropas militares contra os manifestantes, impor o Estado de Emergência e dizer que o país vivia uma “guerra contra um inimigo poderoso”, o Presidente chileno promete agora diálogo social e medidas diferentes da receita liberal que conduziu o país até aqui, uma receita que serve de exemplo ao Brasil de Bolsonaro. 

A onda de contestação iniciou-se no dia 18 de Outubro em Santiago do Chile devido à proposta de subida dos bilhetes de metro e estendeu-se depois a todo o país. Terá sido a gota de água contra o modelo liberal, apresentado como sendo um sucesso mundial, a privatização do sistema de pensões, a precariedade laboral com o aumento para 45 horas/semana, entre outros temas; tudo isso terá feito disparar a contestação nas ruas, que começou por se sentir entre as camadas mais jovens.

Foto de Jaime Troncoso via Flickr

Se Piñera estiver a ser sincero com as medidas que propõe para o seu novo Pacto Social, estará de acordo em acabar com a receita ultraliberal que até agora aplicou e que resulta num país em que os chilenos pagam muito pelo sistema de saúde e geralmente esperam muito tempo. A educação pública é pobre. As pensões, geridas por privados num sistema estabelecido pelo regime de Pinochet, são baixas. Crescimento económico acima da média da América Latina mas abaixo do prometido e assente numa galopante desigualdade social fazem também parte do pacote que os críticos afirmam que se disfarça por detrás de dados macroeconómicos mais favoráveis com que se tem vendido o sucesso do país.

Uma multitudinária marcha tomou esta sexta-feira (26 de Outubro) as ruas do centro de Santiago de Chile para protestar pela desigualdade social no país e exigir reformas sociais profundas. Segundo números do Governo, mais de 1,2 milhões de pessoas concentraram-se arredor de Praza Itália, o centro da capital chilena. O protesto foi convocado e seguido nas redes sociais como “A Maior Marcha do Chile”.

Equador

Desde o inicio de Outubro que os povo do Equador têm invadido as ruas das principais cidades, nomeadamente Quito, exigindo uma viragem nas políticas do Presidente eleito. Tudo se precipitou com o corte do subsídio sobre os combustíveis, mas começou anteriormente com o estabelecimento do acordo de assistência financeira orçado num total de cerca de 4 mil milhões de dólares. O acordo entre FMI e o Governo de Lenine Moreno obrigou, como é expectável, ao estabelecimento de um programa de austeridade focado na redução de custos e no aumento de receitas do estado – tal como aconteceu em Portugal nos anos da Troika.

Entre os cortes nos salários e nas condições contratuais da função pública, a criação de uma taxa para as empresas mais lucrativas, foi o fim de um subsídio com mais de 40 anos de apoio à compra de combustíveis que fez disparar a revolta (note-se aqui a semelhança com os famosos Coletes Amarelos) e que fez aumentar o preço de gasolina e gasóleo em mais de 20 e 50% respectivamente.

O sector dos transportes, organizações indígenas e movimentos estudantis foram os primeiros a sair para as ruas em manifestações exaltadas e a resposta do Presidente foi decretar o Estado de Excepção fazendo entrar em cena as forças armadas, e outros mecânicos repressivos da contestação que se julguem necessários pelo presidente.

A crise no Equador é tal como se testemunhou noutros países da América Latina uma demonstração cabal da dependência dos sistemas de combustíveis fósseis e da forma como aumentos na gasolina e no gasóleo afectam, sobretudo, os mais desfavorecidos por fazerem aumentar o preço final de quase todos os bens e serviços. Lenín Moreno acusa Maduro (sim, o Presidente da Venezuela) de estar por de trás da mobilização popular; já Rafael Correa, ex-presidente e antigo aliado de Lenín, tem sido uma das vozes de ampliação da contestação na sua muito activa conta de Twitter.

Líbano

A instabilidade que assombra o Líbano já percorre as ruas do país há mais de duas semanas. Várias artérias  da capital, Beirute, foram e estão bloqueadas, e em Inglaterra fazem-se manifestações à frente da embaixada libanesa. Como ato simbólico contra o Governo, os manifestantes formaram um cordão humano de dezenas de milhares de quilómetros por todo o país, que se tornou o ícone desta luta contra a corrupção. Trata-se de uma manifestações sem precedentes no país, que é, segundos os dados oficiais, composto por cerca de 18 religiões, mas que não olha a credos no que diz respeito à luta por um país menos corrupto, deixando penduradas as diversas querelas religiosas.

Foto de Rami Zizk via Twitter

Foi com o anúncio de novos impostos que o Governo instigou os manifestantes, nomeadamente uma taxação sobre as chamadas gratuitas via aplicações, como WhatsApp. No entanto, mesmo que o Governo tenha voltado atrás na decisão, já seria tarde demais: as pessoas já utilizavam as ruas como arma de oposição. Este imposto sobre as chamadas surge, contudo, como um pretexto. Os libaneses enumeram um conjunto de fatores que os motivam a questionar a competência do Governo, como as recorrentes falhas da eletricidade, falta de água, mau serviço dos espaços públicos, aumento do desemprego, maus salários, entre outros. 

O Governo, porém, não permaneceu parado face à revolta do eleitorado. Desde o início das manifestações que os políticos já levaram a cabo um conjunto de medidas sociais e económicas. Prometeram criar métodos contra a corrupção, apoiar as famílias mais carenciadas, diminuir o salário dos políticos, entre outras.

Brexit

Tínhamos planeado escrever sobre o Brexit nesta estreia do RADAR. É incontornável a sua importância no panorama político internacional dos últimos tempos, e dada a persistência do tema e da falta de desfechos, poderíamos incluir o Brexit no RADAR todos os meses daqui para a frente. Mas há algo novo a acontecer todos os dias e isso também torna o assunto difícil de condensar em poucos parágrafos mensais. Tome-se esta semana como exemplo: a três dias da data de saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit foi adiado outra vez. 31 de Janeiro é nova data.

Foto de Lídia André/Shifter

A juntar a isto, a moção de Boris Johnson para eleições antecipadas foi aprovada, com 438 votos a favor e 20 contra e o país vai às urnas a 12 de Dezembro, como pretendia o Governo. Na mesma sessão, o Partido Trabalhista e os escoceses do SNP apresentaram duas moções que pretendiam alargar o voto a todos os cidadãos da União Europeia que vivam no Reino Unido e aos jovens a partir dos 16 anos. Ambas foram chumbadas. É de salientar que as eleições só vão acontecer porque Jeremy Corbyn finalmente cedeu. “A extensão do Artigo 50 foi confirmada portanto a nossa condição de retirar um no deal da mesa foi cumprida”, escreveu em comunicado. “Iremos agora encetar a campanha mais ambiciosa e radical para uma mudança real que o nosso país já viu.” 

União Europeia

Em Outubro, a União Europeia andou entretida com as audições no Parlamento Europeu aos comissários designados para a nova Comissão Europeia. Resultado final? Três dos novos “Ministros” europeus foram chumbados pelos eurodeputados e a tomada de posse da nova Comissão fica adiada para Dezembro. Outro dos temas quentes foi a discussão sobre o alargamento, que Macron decidiu bloquear, mantendo Macedónia do Norte e Albânia na sala de espera por mais uns meses.

Em Novembro, convém estar atento às negociações do próximo orçamento multi-anual. Os países grandes querem pagar menos e os países pequenos querem que os grandes paguem mais. No meio da sanduíche ficam os planos da Comissão Europeia, que não sabe com que recursos conta.

Outros assuntos

  • No Brasil, a governação de Bolsonaro continua minada por casos polémicos – depois do famoso caso Vaza Jato, a governação do Presidente brasileiro ficou ainda mais fragilizada aos olhos do mundo; contudo, a sua política inspirada em figuras como Trump mantém-no firme no poder. Neste mês de Outubro andou um visitas presidenciais, nomeadamente ao Japão, à China e à Arábia Saudita, onde protagonizou uma série de momentos insólitos e estranhos para um Presidente. Ofereceu a Xi Jinping uma camisola do Flamengo e ao sair do encontro do Bin Salman rematou com “todo mundo gostaria de passar a tarde com um príncipe. Principalmente vocês, mulheres, não é?” – parece que nem estamos a falar de política? O problema é mesmo esse – enquanto distrai, a audiência Bolsonaro assina acordos milionários que não passam pelo devido escrutínio. O caso da morte de Marielle Franco e do seu motorista também continua por resolver e os seus desenvolvimentos envolvem frequentemente Bolsonaro, tornando o desfecho altamente imprevisível.
  • Em Hong Kong, continuam as ondas de protestos de que aqui, no Shifter, te demos conta e o conflito ganha especial importância política à medida que caminhamos para as eleições para o Conselho Distrital a 24 de Novembro. À entrada para a corrida eleitoral sabe-se que Joshua Wong um dos rostos das manifestações de 2014 foi impedido de se candidatar por defender a independência, uma ideia que é contra a Lei Básica de Hong Kong e que o país está em recessão económica pela primeira vez na última década.
  • No Japão, dois ministros demitiram-se nas últimas semanas e criaram no horizonte a possibilidade de uma crise política.

Este é o primeiro RADAR e é provável que precise de afinações: se tiveres ideias, sugestões ou temas que achas que deviam ser abordados, faz-nos chegar a tua contribuição através do e-mail comunidade@shifter.pt.

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