Vanessa Bailão: a restauradora que dá nome à arte

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Vanessa Bailão (foto de Mário Rui André/Shifter)

Vanessa Bailão: a restauradora que dá nome à arte

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O trabalho da artista é sobretudo "partir pedra" na luta pela igualdade de oportunidades, na conquista de um ambiente normal de trabalho e na mudança cultural face a outros povos europeus.

Contar uma história envolve o Homem e o seu contexto. Quando partimos para a conversa com a Vanessa, levávamos na bagagem algumas interrogações mentais sobre aquilo que era esperado. O restauro enquanto arte, o passado académico, o caminho para ali chegar ou o futuro que virá, são tópicos transversais em convencionais conversas que nos traçam um guião formatado. À medida que a conversa se desenvolve e a confiança aumenta, percebemos os reais assuntos que temos de contar, estando no paralelo aquilo que nos levou à entrevista.

O Shifter foi conhecer Vanessa Bailão, técnica conservadora-restauradora, especialista em azulejo tradicional português.

Luta diária pela mudança

O meio do restauro é um ecossistema em crescimento e com poucos recursos humanos em atividade. Dominado essencialmente por mulheres, o trabalho de restauro exige firmeza física e psicológica para lidar com muitos fatores externos que infelizmente ainda perturbam o dia a dia. Muito do trabalho que Vanessa faz hoje em dia, acontece no ambiente de obra e de construção civil, onde se encontram homens e mulheres de realidades diferentes, invariavelmente com estigmas e preconceitos enraizados.

Foto de Mário Rui André/Shifter

Quando ao trabalho de restauro se soma a tarefa de coordenação de obra, o desafio cresce e os problemas aumentam. A relação entre os trabalhadores da construção e as restauradoras é muitas vezes composta de situações indesejadas, desconforto, assédio e até perseguição. Uma mulher de 25 anos, feminina, responsável por mandar e dar ordens num contexto de obra constitui o rastilho explosivo numa sociedade machista onde há muito caminho por palmilhar.

As melhores respostas de Vanessa a esta situação têm sido firmes a diversos níveis. Não abdicar de ser a mulher que é passa por continuar a pintar as unhas, por usar os instrumentos de trabalho personalizados com motivos femininos, por dar confiança e ânimo às suas estagiárias e por sobretudo não vacilar na hora de liderar, confiando nas suas opções.

O Restauro é Arte

A provocação e dúvida sobre o restauro ser arte era uma pergunta de algibeira. Para Vanessa não há dúvidas, o trabalho de restauro é uma forma de arte. Além da técnica pura e dura, as conservadoras-restauradoras possuem liberdade para fazer o trabalho, havendo assim uma dose de ambição e risco no decurso da obra. A relação com o cliente é ela própria um desafio. Entre o que o cliente quer, ao que o cliente vê como produto final pode existir uma distância considerável. O tamanho desta distância depende do esforço diplomático e negocial entre quem paga e quem executa.

Foto de Mário Rui André/Shifter

O restauro de azulejo português em prédios históricos de Lisboa, por exemplo, exige muitas vezes manobras de logística de modo a que os azulejos nativos e mais bem conservados fiquem ao alcance visual das pessoas. Quando há uma perda irreparável do azulejo, procede-se a uma substituição deste por réplicas de modo a uniformizar o mais possível dos restantes.

Apesar de o azulejo ser o objeto em que mais trabalha recentemente, Vanessa já restaurou outro tipo de peças históricas e monumentos tais como o Miradouro de Santa Luzia de Alfama e o Jazigo dos Viscondes de Valmor no Cemitério do Alto de São João em Lisboa, a Fonte de São Francisco em Viseu (Fonte do Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco) ou o Altar Mor da Igreja de São Pedro de Vila Real em Trás os Montes.

Os percalços da vida como traços decisivos de um rumo

O inicio académico não começou no restauro. O Design surgiu primeiro porém a rejeição foi total, desde o próprio curso ao local onde estudava. Aguardou e apostou tudo em Conservação e Restauro, onde não poderia ter sido mais feliz. Motivada e com excelentes resultados, os próximos passos tinham tudo para ser seguros e sobretudo prósperos. Estes mesmos passos foram e são felizes, mas algo negativo determinou o percurso de vida de Vanessa.

Em 2016, Vanessa teve um acidente grave de viação que a colocou durante meses numa situação frágil no hospital. Durante esses mesmos meses, existiu tempo para repensar o que quer fazer no tempo de vida. A partir deste desastre, o rumo estava definido e cada momento é vivido com uma intensidade diferente. “Olhamos para a vida de forma diferente, depois de algo assim”, confessa-nos.

Foto de Mário Rui André/Shifter

O futuro à restauradora pertence

As ambições de Vanessa não se esgotam no restauro e os sonhos estão bem definidos. Num mercado em expansão e com oportunidades, existe a vontade de criar uma empresa de restauro em parceria com uma colega e amiga, onde poderia avaliar e escolher as obras de uma forma mais livre e ao mesmo tempo continuar a formar novas restauradoras no terreno.

Paralelamente ao restauro, criar é o verbo complementar. Quem sabe se em breve não teremos uma linha de azulejo made in Vanessa Bailão? E uma gama de outras obras criadas pela própria restauradora? São projetos em agenda que não podem ser adiantados em demasia, com prejuízo de uma ideia livre parar aos sítios errados.

“Às vezes estamos a restaurar ao nível do rés do chão e os turistas querem tirar fotografias connosco, ficam intrigados com o nosso trabalho. Outras vezes, estamos a fazer o mesmo e um senhor português mais velho passa e critica-nos por sermos mulheres a fazer um trabalho no espaço dos homens.” O trabalho de Vanessa e das suas colegas não é apenas uma técnica de execução, é sobretudo “partir pedra” na luta pela igualdade de oportunidades, na conquista de um ambiente normal de trabalho e na mudança cultural face a outros povos europeus.

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