Um ponto da situação ‘5G’ feito por quem o vai implementar

Fotografia de Pedro Ribeiro via Unsplash modificada por Shifter

Um ponto da situação ‘5G’ feito por quem o vai implementar

A conferência DETI Talks, organizada pelo Departamento de Eletrónica, Telecomunicações e Informática (DETI), juntou um painel com representantes da maioria dos intervenientes na mudança tecnológica trazida pelo 5G.

A quinta geração das redes móveis foi o tema da conferência DETI Talks, organizada pelo Departamento de Eletrónica, Telecomunicações e Informática (DETI), que teve lugar no passado dia 4 de dezembro na Universidade de Aveiro e juntou um painel com representantes da maioria dos intervenientes na mudança tecnológica trazida pelo 5G.

Com o principal objetivo de “refletir sobre os problemas da sociedade que [esta tecnologia] pretende resolver”, como disse Paulo Jorge Ferreira, reitor da universidade, decorreu numa altura em que, segundo o Secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, Alberto Souto, estamos cada vez mais perto de “concretizar as ousadias da nossa imaginação” no que toca à internet das coisas.

Para uma melhor compreensão da temática 5G, recomendamos a leitura do artigo que publicámos em maio deste ano sobre o 5G.

Os benefícios do 5G na sociedade

As vantagens do 5G foram abordados, essencialmente, pelas marcas produtoras da infraestrutura, que começaram por destacar o porquê da procura pela grande velocidade e baixa latência oferecida pelo 5G. Mateus Mazzeo e Luis Muchacho, diretores de vendas da Nokia e Ericsson, respetivamente, introduziram o conceito de OT (operations technology). Complementar à IT (information technology) — focada essencialmente na informação e nos dados — a OT asssume a gestão de processos físicos (ligação de máquinas) e será o principal vector do crescimento que se avizinha.

A utilização da internet para comunicar, fazer broadcast de vídeo, jogar ou para a realidade virtual é apenas o primeiro caso de uso e o único que conhecemos até hoje. Com a OT nascem dois novos1: a comunicação massiva com a introdução de sensores para controlar exploração dos nossos recursos e a comunicação crítica, com o desenvolvimento de áreas como a condução autónoma, da medicina digital (cirurgias à distância, por exemplo) e o controlo da indústria (está em curso a digitalização do porto de Livorno, em Itália).

O primeiro gera pequenas quantidades de dados, mas que multiplicadas pelos milhões de dispositivos que o vão integrar resultam num elevado volume de informação que se soma ao segundo, que exige menor latência, alta fiabilidade e disponibilidade da rede. Na comunicação crítica qualquer falha passa a representar perdas graves no mundo real — se aludirmos ao exemplo das cirurgias mesmo de vidas humanas.

Neste contexto de evolução tecnológica deixa de ser aceitável um intervalo de tempo entre o pedido e a resposta entre 50 e 70 milissegundos, oferecido pelo 4G e impercetível pelo ser humano — cujos sentidos não distinguem latências até 100ms — e começa-se a falar numa redução abrupta para apenas 1ms. A fiabilidade é também um dos pontos fortes da nova geração, que promete uma disponibilidade de 99,999%.

Para quando em Portugal?

O secretário de estado prometeu um plano nacional para o 5G em breve, mas a transição no nosso país já está em marcha com a migração do TDT para a disponibilização das frequências dos 700MHz (mais especificamente 694-790 MHz) que teve início no passado dia 27 de novembro e que decorrerá até final de junho de 2020.

Será também em 2020 o leilão para a atribuição da banda em que as operadoras irão instalar as suas redes e segundo o presidente da ANACOM, João Cadete de Matos, o provável início da comercialização. Cumpre-se assim a primeira meta da estratégia da União Europeia para o Mercado Único Digital, que pretende que por esta altura cada país tenha a tecnologia totalmente implementada em pelo menos uma cidade e que cinco anos depois esta abranja todas as grandes metrópoles e principais vias de comunicação (ferroviárias e rodoviárias).

Com a entrada na discussão dos diretores técnicos das três grandes operadoras portuguesas — Altice, Vodafone e NOS —, foram apontadas as barreiras com que se estão a deparar. Foi consensual a necessidade de uma grande largura de banda, sendo a “solução ótima”, como referiu Jorge Graça, da NOS, a disponibilização de 100MHz para cada operadora. Segundo os representantes, tudo o que seja inferior criará a necessidade de mais infraestruturas, que irão aumentar brutalmente o investimento já avultado que é necessário fazer, tal como o consumo energético e consequente impacto ambiental.

Luís Alveirinho, da Altice, destacou ainda como grandes obstáculos a construção civil e o dinheiro. “Atualmente é um pesadelo conseguir montar uma antena no cimo de um prédio”, refere, dizendo ser necessária unanimidade dos condóminos para aprovar tal operação, à qual acrescem meses de espera da aprovação pelas Câmaras Municipais.

Para estes problemas foram apresentadas algumas soluções, como a obrigatoriedade dos novos prédios incluírem no seu projeto a possibilidade de terem antenas no seu topo, com a devida camuflagem e a disponibilização de sinais de trânsito e postos de iluminação pública para o mesmo fim.

Sobre o fator económico, Luís Alveirinho critica o estado. Embora o Secretário de Estado Adjunto e das Comunicações tenha referido que em Portugal não serão cobradas “exorbitâncias” como em alguns países Europeus, o representante da Altice diz que que são cobrados valores demasiado altos para o que os operadores podem comportar, sendo devolvida apenas uma pequena parcela para a resolução dos problemas das assimetrias territoriais. “Dinheiro este que podíamos estar a investir em tecnologia”, sugere.

O problema das assimetrias que acabou de ser referido foi também muito abordado pelos intervenientes. O presidente da ANACOM defendeu a partilha dos recursos, com investimentos conjuntos pelas operadoras em áreas que não sejam economicamente viáveis, dando como exemplo a DS Telecom, uma empresa que instalou fibra ótica nas zonas com baixa densidade populacional na zona norte do país que é explorada em simultâneo pelos três operadores.

O diretor de vendas da Ericsson defendeu que o estado deve manter uma política ativa sobre a matéria para endereçar estes desafios, referindo que não é rentável para as operadoras combater as assimetrias territoriais provocadas pelas tecnologias, posição apoiada pelos diretores tecnológicos das três marcas de telecomunicações.

Os fabricantes mostraram soluções focadas na indústria e é junto da mesma que conduzem a maioria dos seus testes, sendo os operadores os que mais se aproximam das populações, com experiências em curso nas cidades de Aveiro, Évora e Porto. Contudo, não há uma previsão de quando a rede cobrirá o território nacional — para se ter um termo de comparação, ainda hoje existem zonas de cidades como Setúbal que não têm cobertura de fibra óptica.

Qual o potencial que pode trazer para o nosso país?

A recente criação da Agência Espacial Portuguesa e a construção da base de lançamento de microssatélites na Ilha de Santa Maria, nos Açores, é segundo o presidente da ANACOM uma dimensão que deve ser explorada. João Cadete de Matos mencinou o conceito de network of networks (constelações de satélites) e referiu como toda esta área pode ser uma oportunidade de desenvolvimento para o país.

Realçou ainda os cabos submarinos, que podem ser utilizados na deteção de sismos, uma vez que atravessam as três placas tectónicas do Oceano Atlântico e são uma potencial ponte de ligação aos continentes Africano e Americano.

Estamos prontos?

Atualmente existem duas hipóteses de implementação do 5G. Com base na infraestrutura da rede 4G (no-standalone), o método utilizado pela grande maioria dos operadores internacionais que já disponibilizam a nova rede ao público, ou de forma independente, que implica a criação de uma base de suporte de raiz (standalone).

O CTO da NOS diz que a sua escolha vai depender muito da evolução que se verificar nos próximos tempos. Hoje optariam pela solução baseada em 4G, mas espera que em quatro anos a solução standalone seja a mais viável, até porque oferece uma qualidade superior.

“Não há dúvidas de que precisamos do 5G. A questão é se é daqui a uma semana ou daqui a um ano.” Foram estas as palavras do representante da Altice, que, em conjunto com os seus homólogos frisou o crescimento anual de 80% do tráfego nas redes móveis, criando limites às tecnologias atual (do 4G).

A questão da necessidade está esclarecida, mas a disponibilidade da indústria para acompanhar as necessidades do mercado não tanto. Foi consensual a necessidade de tempo para uma maior maturação da tecnologia.

Mais antenas, maior capacidade da rede? O que é que isto significa ao nível do consumo energético? Outras questões…

Este tema foi introduzido pelo público, e em resposta os operadores disseram não ter dados suficientes, dada a pequena dimensão dos estudos que realizaram até hoje. Com base nas informações partilhadas pelos homólogos chineses o consumo das estações irá no mínimo duplicar. No entanto, a relação de energia por bit de informação decresce. A bateria dos telemóveis aptos para comunicar em 5G também dura menos, mas espera-se uma evolução desta indústria no sentido da eficiência.

A Vodafone anunciou ainda que vai desligar as redes mais antigas (2G e 3G, eventualmente), o que poderá compensar parte deste aumento e salientou ainda o desenvolvimento de algoritmos, já presentes nas suas tecnologias, que permitem reduzir o consumo das infraestruturas quando o tráfego é menor (dando o exemplo das zonas industriais durante a noite).

Outra das questões que surgiu da plateia teve que ver com a possibilidade de recorrer a tecnologias de fonte aberta (open source) para acelerar a inovação, baixar custos e promover uma evolução mais equitativa de todo sector, tendo sido mencionada a iniciativa O-RAN, criada pela AT&T, China Mobile, Deutsche Telekom, NTT DoCoMo e Orange, que em parceria com a Linux Foundation criou a O-RAN Open Source Community para desenvolver e disponibilizar módulos tecnológicos deste modo. Em resposta os representantes das diversas empresas referiram que este tipo de projectos estão tecnologicamente atrasados pelo que implicariam um desenvolvimento interno e acarretariam potenciais riscos que preferem não correr.

 

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