Christopher Dombres: o ilustrador para quem a partilha é uma forma de expressão

Christopher Dombres: o ilustrador para quem a partilha é uma forma de expressão

Pesquisar Christopher Dombres nas redes sociais não nos leva a lado nenhum e encontrar um vestígio da sua presença é missão quase impossível. A excepção a esta regra é o Flickr.

Christopher Dombres é um nome relativamente desconhecido da maioria das pessoas. Pesquisá-lo nas redes sociais não nos leva a lado nenhum, e encontrar um vestígio da sua presença é missão quase impossível. A excepção a esta regra é o Flickr. Nesta plataforma de partilha de criação gráfica, o ilustrador francês tem uma colectânea de trabalhos que ilustram o seu corpo de trabalho revelando não só um ilustrador talentoso como um artista engajado com os problemas contemporâneos que o envolvem.

Sem participar nos tradicionais circuitos de promoção artística, Dombres rema contra a corrente cultural, abraçando uma filosofia única em que defende que deve ser o seu trabalho a promover-se a si próprio. É por isso que tudo o que faz disponibiliza em domínio público, livre de qualquer tipo de direitos de autor, como que abdicando da sua autoria em prol da eficiência da sua mensagem.

Assim, apesar de não ser um nome sonante, tem ideias fortes a enquadrar o seu trabalho, dando-lhe uma valência para além da contemplação. Numa altura em que os direitos de autor online são uma conversa cada vez mais urgente – nomeadamente na ressaca da aprovação a nível europeu dos Artigos 11 e 13 (ou 15 e 17) – falámos com o ilustrador francês de 51 anos para percebermos um pouco mais sobre o que o motiva e como se vê no panorama global.

Vês-te mais como um artista ou como um activista?

Eu sinto-me como um ilustrador normal que foi atraído para algo que não estava à espera. Não é o que eu desenho, nem a forma como o faço, é o que eu faço com isso, sem dinheiro. Essa é a única diferença real entre mim e Shepard Fairey (Obey), por exemplo. O facto de a parte mais importante da minha arte ser livre para usar é a razão que a torna diferente do restante da produção de arte comercial atual. O meio, Creative Commons, é a mensagem. Como artista, tu não fazes coisas por dinheiro, mas porque precisas de expressar o que sentes. É isso que a maioria das pessoas não entende, a arte não existe por causa de incentivo financeiro, existe apesar disso.

A tua linguagem gráfica tem algumas semelhanças com o graffiti. É pura coincidência ou o teu passado tem essa influência?

Tenho 51 anos, cresci com música disco, punk rock, new wave e a cultura hip hop. O graffiti foi parte do meu background cultural mas a minha principal influência visual veio da publicidade. A pessoa que mais admirei foi o fotógrafo italiano Oliviero Toscani.

Partilhas grande parte do teu trabalho em domínio público. Nesse sentido, como vês iniciativas legislativas como os Artigos 11 e 13?

Enquanto as pessoas acreditarem no conceito de “génio humano” vão continuar a defender a propriedade intelectual como fazem com a religião e o conceito de deus. Eu não acredito em nenhuma das duas. Direitos de autor são uma questão complicada, eu tenho uma opinião que não é muito popular no meio cultural e que acaba por me marginalizar. Os Artigos 11 e 13 são a ilustração de um acto de fé, na crença do génio humano.

O teu trabalho só se encontra no Flickr e não tens mais presença em redes sociais. Como promoves o teu trabalho e qual a expectativa que tens para que chegue às pessoas?

Quando realmente queres dizer algo é bom que não esperes por permissão para o fazer, é isso que eu faço. Não promovo o meu trabalho, se for bom será útil, é só isso.

Com a internet dividida pelas grandes empresas tecnológicas tecnológicas – um tema comum no teu trabalho – acreditas que se perdeu uma oportunidade de criar um ecossistema realmente criativo?

As pessoas são sempre inventivas, é apenas o princípio da internet, todas essas empresas serão dividias em menores entidades no futuro.

Partilhas o teu trabalho no domínio público, o que significa isso para ti?

O domínio público é a contribuição de cada geração para a seguinte. Nós construímos em cima daquele que nos foi deixado pelos nossos antepassados e eu tento fazer a minha parte. Não acredito que possas atingir algo importante se só o fizeres por dinheiro. Isso não significa que não devas ser pago pelo teu trabalho, simplesmente que não consegues fazer nada realmente pessoal se for por dinheiro.

O teu trabalho tem uma forte vertente de activismo. Reconheces a despolitização da arte e achas que foi uma perda para a sociedade?

A arte é uma vontade natural e sempre será. Se os artistas modernos parecem superficiais é porque as pessoas apenas reparam nos famosos e comerciais. Não foi sempre assim e isso deverá, esperamos, mudar no futuro. O problema não é sequer o capitalismo, é o que as pessoas fazem dele. Hoje em dia toda a gente quer ser um bilionário, um membro do clube das 3 vírgulas. Qual é o propósito? Ninguém sabe. A cultura ocidental atingiu o seu fundo e está lá há alguns anos, cerca de 40. Ou sobe ou desaparecerá.

O teu trabalho tem alguma inspiração em pensadores como Debord e Vaneigem, enquanto visualmente é uma subversão das linguagens contemporâneas. O espírito subversivo do maio de 68 é uma referência para ti?

O movimento intelectual francês sempre foi uma inspiração, principalmente o situacionismo e também o movimento do Maio de 1968. Eu nasci no dia em que a Sorbonne foi evacuada pela polícia. Mas tirando o feminismo e a ecologia, acho que muitas dessas ideias envelheceram mal. Eu não acho que a subversão funcione; como a violência, vira-se contra o emissor. Hoje em dia a extrema direita usa os mesmos truques que a esquerda nos anos 1960, a diferença é que os graffitis anti-polícia são substituídos por anti-migrantes.


Colhendo pistas no seu trabalho, é fácil perceber alguns dos conceitos expostos na entrevista. Desde logo a comparação com Shepard Fairey, que sublinha o contraste entre duas formas distintas de construir em cima da mesma mensagem. Se Shepard evoluiu de Obey para criação artística nos circuitos tradicionais, Dombres distingue-se pela sua fuga ao trilho comercial – talvez por isso a evolução da mensagem política no seu corpo de trabalho tenha seguido também ela em direções opostas. Shephard é cada vez mais um simples ilustrador enquanto que Dombres continua extremamente engajado com determinadas causas nas suas criações.

O seu trabalho foca-se frequentemente na questão dos direitos de autor, em críticas ao consumismo, aos monopólios empresariais e à perda de força dos símbolos visuais, lembrando com alguma frequência a técnica de Détournement. Criada pelos situacionistas franceses, o Détournement caracteriza-se pelo aproveitamento de símbolos e a sua reconversão em mensagens diferentes, geralmente provocatórias ou contra o seu significado original. O seu trabalho é como o de muitos artistas, um confronto aos dogmas vigentes; o seu foco é a contemporaneidade e todos os seus fenómenos. Com preferência por criações visuais complexas e uma tendência clara para fazer da mensagem o seu móbil enquanto continua a fazer do meio a sua mensagem.

Se chegaste até ao fim, esta mensagem é para ti

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  • João Gabriel Ribeiro

    O João Gabriel Ribeiro é Co-Fundador e Director do Shifter. Assume-se como auto-didacta obsessivo e procura as raízes de outros temas de interesse como design, tecnologia e novos media.

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