“É obrigatório quebrar o estigma de que os psicólogos são para os maluquinhos”: a mensagem de um Naturalmente Ansioso

“É obrigatório quebrar o estigma de que os psicólogos são para os maluquinhos”: a mensagem de um Naturalmente Ansioso

Falámos com Tiago Galvão, criador do podcast Naturalmente Ansioso, um safe space de partilha de experiências sobre saúde mental no geral e ansiedade em particular, condição que afecta em silêncio milhares de pessoas. 

Tiago Galvão é um jovem perfeitamente normal e (aparentemente) completamente bem com a vida, com um gosto acima da média por tudo o que é música e uma boa disposição que cativa aos primeiros minutos de convívio. Não obstante a tudo isto, há 4 ou 5 anos começou a sentir a ansiedade para além das borboletas na barriga, depois de um projecto profissional de grande importância e desgaste. O que eram simples pensamentos repetitivos, desencadearam num ataque de ansiedade ou pânico e numa sensação de cansaço que o acompanhara durante cerca de 1 ano e meio. A sua condição começou nesse episódio e foi ganhando espaço à medida que o medo de que o ataque se repetisse ia ganhando espaço, como conta no primeiríssimo episódio do podcast. O isolamento foi a solução de recurso que Galvão suportou até que começou a sentir-se a ir abaixo, chegou o momento em que se fartou de fugir do problema e decidira enfrentá-lo – apesar de na sua cabeça ainda tudo ser abstracto.

Fruto de algum desconhecimento ou negação, Tiago Galvão considerara todas as hipóteses explicativas do seu problema até que encontrou no psicólogo a resposta que precisava, depois de passar por um otorrino que lhe receitara Victan e passar por um período de dependência do comprimido, alguns ataques de pânico e 4 dias de internamento no S. Francisco Xavier. Desde então fez o seu caminho distanciando-se das sensações mais aflitivas e recentemente decidiu criar o podcast Naturalmente Ansioso, como lhe chama, uma comunidade de partilha de experiências sobre esta condição que afecta em silêncio milhares de pessoas — jovens e menos jovens. 

Ao longo dos mais de 20 episódios, Galvão ouviu as mais diversas histórias, dando espaço para que assim, pintando com casos reais, na cabeça dos seus ouvintes, se alterasse por completo o quadro do que imaginamos como ansiedade. Dos mais obcecados pelo planeamento e organização até àqueles que ficaram marcados por uma má noite, todos encontram neste espaço a compreensão necessária para partilhar em público a sua história, dando-lhe um sentido ainda maior: o da partilha. É nessa partilha solidária e fraterna que Tiago Galvão vê uma das mais valias do seu projecto — acredita na prevenção mas acreditando igualmente na troca de impressões como método de relativização dos seus problemas, e na figura do outro, sob a mesma condição, como garantia de que não está só.

Entre os convidados já passaram nomes conhecidos do grande público como Maria Botelho Moniz, que partilhou um lado que obrigatoriamente esconde no seu exercício profissional, ou Fábio Lopes (Conguito) que, confessando não ser verdadeiramente ansioso, focou a sua participação nos truques a que recorre para estar sempre disposto e controlar as emoções entre tanta coisa que faz da vida. Desta vez, invertemos os papeis e convidámos Tiago a responder a perguntas para perceber o que tirou desta experiência, ao final de 20 episódios o que tirou desta experiência.

Como surgiu a ideia de fazeres este podcast?

A ideia surgiu da vontade de querer fazer alguma coisa referente ao tema das doenças mentais e pelo facto de não existir, até à data, nada relacionado com a temática (em formato podcast) que fosse focado na partilha de informação pessoal e prevenção.

Identificas-te como ansioso, tal como os teus convidados. Falar tanto sobre ansiedade não te deixa ainda pior? Ou pelo contrário sentes que é terapêutico?

Claro! Considero-me um “naturalmente ansioso” e continuo a ter crises de ansiedade e ataques de pânico. Hoje em dia muito esporadicamente, apenas os sinto em situações pontuais de insegurança quando vou filmar um trabalho para um cliente grande ou num sítio desconhecido onde não me sinto à vontade, mas rapidamente direciono o foco para outro assunto e naturalmente os sintomas desaparecem.

No início, sim, confesso que em alguns episódios comecei a ter sintomas de ataque de pânico, mas com a minha persistência superei esse desafio porque, na realidade, não são só os convidados que estão ansiosos ou nervosos no momento de gravar. Retratar estes problemas na primeira pessoa deixa qualquer um com o estômago às voltas. Hoje em dia, já lido bem com as minhas emoções quando gravo episódios, mas às vezes tenho de conter os meus pensamentos mais hipocondríacos devido a alguns sintomas que certos convidados viveram ou experienciaram, deixando-me a remoer no assunto.

Eu só posso falar por mim; este projecto tem-me ajudado imenso a relativizar o problema e a perceber duas coisas: a primeira é que definitivamente não estou sozinho, e a segunda é que o número de pessoas com os mesmos sintomas é muito maior do que eu estava à espera. Isto deixa-me assustado e preocupado com a quantidade de antidepressivos e ansiolíticos que os jovens estão a tomar e alguns deles em regime de automedicação.

Eu só posso falar por mim; este projecto tem-me ajudado imenso a relativizar o problema e perceber duas coisas: a primeira é que definitivamente não estou sozinho e a segunda é que o número de pessoas com os mesmos sintomas é muito maior do que eu estava à espera. Isto deixa-me assustado e preocupado com a quantidade de antidepressivos e ansiolíticos que os  jovens estão a tomar e alguns deles em regime de automedicação.

Se pudesses dizer algo a alguém que sofre de ansiedade o que seria? E a alguém que não sofre?

Primeiro diria “não estás sozinho” e incentivaria a procura de ajuda. Se for psicoterapia, excelente mas, se a pessoa não se sentir confortável a falar com um terapeuta numa primeira fase, incentivava a falar com alguém de confiança que ouça e que possa encaminhar para um acompanhamento médico profissional. O importante é falar e esta é a mensagem que eu tento passar em todos os episódios do podcast e fico feliz que esteja a ter efeito. Quanto à segunda questão, diria para relativizar os problemas do dia-a-dia, e se puder fazer psicoterapia excelente, ter alguém neutro na nossa vida com quem possamos desabafar os nossos problemas é incrível, é obrigatório quebrar o estigma de que os psicólogos são para os maluquinhos. Por isso, incentivava a procurar acompanhamento psicológico para manter e fortalecer a sua saúde mental.

A ansiedade é considerada por muitos como a doença da nova geração. Achas que é realmente assim ou simplesmente o estigma está a cair e as pessoas começam a falar sobre isso?

Acho que a ansiedade é uma reação natural do ser humano. Não é de agora que este tipo de sintomas existe, porém, na minha perspectiva enquanto jovem ansioso que vive na metrópole, vejo ansiedade em todo o lado porque cada vez mais na sociedade actual a competição começa cedo, estamos constantemente a competir uns com os outros, passamos mais tempo sozinhos, ambicionamos ser alguém que vimos numa foto de Instagram. O próprio F.O.M.O (Fear Off Missing Out) é uma realidade presente na vida de um adolescente e, em alguns casos, a situação piora quando a família não está presente enquanto pilar emocional. Por causa disto e de muitos outros fatores que contribuem para o nosso crescimento e desenvolvimento, é que hoje falamos de ansiedade como uma doença que nos condiciona o dia-a-dia. E não apenas sob a forma daquelas borboletas no estômago antes de fazer um exame ou entrar em palco. Eu espero que as pessoas falem disto, mas sobretudo que tenham consciência de que existe e que qualquer um pode sofrer de ansiedade ao ponto de condicionar a sua vida se não souber controlar as suas emoções e sentimentos. Com o podcast, estou a dar o meu contributo para acabarmos finalmente com o estigma das doenças mentais e incentivar a procura de ajuda e acompanhamento médico profissional.

Não é de agora que este tipo de sintomas existe, porém, na minha perspectiva enquanto jovem ansioso que vive na metrópole, vejo ansiedade em todo o lado porque cada vez mais na sociedade actual a competição começa cedo, estamos constantemente a competir uns com os outros, passamos mais tempo sozinhos, ambicionamos ser alguém que vimos numa foto de Instagram.

Criaste uma playlist para o podcast. Acreditas que a música pode ter um poder terapêutico? Ao longo das sugestões que foste assimilando consegues encontrar algumas similaridades?

Quando à primeira questão, totalmente. A música salva/salvou a minha vida. Eu não consigo imaginar-me a viver sem música, é o meu refúgio e, no que toca a ansiedade, teve um papel importantíssimo no combate aos ataques de pânico em alturas difíceis. Recordo com alguma nostalgia um episódio específico, em 2017 fui pela primeira vez ao Tremor, um festival de música alternativa que se realiza em Ponta Delgada. Passei tempo sozinho em alguns concertos porque os meus amigos queriam ir para as filas da frente e eu, com medo de ter um ataque de pânico lá no meio, deixava-me ficar sempre para trás. No último dia, os Conjunto Corona subiram ao palco para fechar o festival e eu estava tão ansioso e com tantas tonturas que acabei por me ir embora assim que o concerto começou. Estava irritado e frustrado com a situação e, durante o caminho para casa, aquilo atingiu-me de tal maneira que percebi que o que estava a sentir tinha um crescimento exponencial, controlava a minha vida e que tinha de tomar uma atitude para o meu bem. Então voltei para o recinto, enfrentei a multidão e vi o resto do concerto com os meus amigos no meio do público, desta vez determinado e sabendo que nenhum medo me iria fazer sair daquele local. Foi uma noite incrível que guardo com muito carinho.

Relativamente à segunda, sim e não. Já tive convidados que me disseram que a música os ajudou a enfrentar o problema em alturas de crise e já tive convidados que me confessam que a música em nada contribui. Tive ainda um convidado que relatou que só o facto de ouvir música era o suficiente para despertar a ansiedade.

O podcast Naturalmente Ansioso está disponível nas plataformas habituais, como Soundcloud e Spotify, e podes ouvir um episódio novo todas as semanas. Já a playlist com as músicas que cada convidado recomenda está apenas disponível no Spotify e de modo público. Importa ainda referir que apesar de o foco ser a ansiedade ou as doenças mentais de um modo geral, o intuito do podcast não é, de modo algum, substituir-se a qualquer tipo de terapia, nomeadamente o acompanhamento de um psicólogo. Naturalmente Ansioso é, como dissemos, um espaço de partilha de experiências e de empatia, onde quem se sente estranho por estar a passar por níveis de ansiedade condicionantes pode ouvir o seu semelhante e perceber que não é o único.

Aviso importante: Se achas que sofres de ansiedade ou de alguma condição semelhante, procura ajuda junto de profissionais de saúde. As ideias e respostas expressas neste artigo não substituem acompanhamento profissional — são apenas relatos de experiências pessoais com o intuito de promover a discussão aberta sobre o tema. Se precisares de uma alternativa imediata, lembra-te que tens ao teu dispôr a linha SOS Voz Amiga para onde podes sempre ligar.

Se chegaste até ao fim, esta mensagem é para ti

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  • João Gabriel Ribeiro

    O João Gabriel Ribeiro é Co-Fundador e Director do Shifter. Assume-se como auto-didacta obsessivo e procura as raízes de outros temas de interesse como design, tecnologia e novos media.

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