A nossa opinião sobre os Óscares 2020: da espectacularidade à falta de diversidade

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A nossa opinião sobre os Óscares 2020: da espectacularidade à falta de diversidade

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"A beleza dos Óscares reside na capacidade que o evento tem de colocar toda a gente a discutir cinema com uma paixão que fica adormecida o resto do ano, mantida viva por alguns cinéfilos. Mas a verdade é que todos estamos habilitados para essa discussão, e nem é necessário ver os filmes."

Todos os anos, chegada a altura dos Óscares, as redes sociais ficam cheias de especialistas em cinema da categoria filmes nomeados pela Academia. Como em nenhuma outra fase do ano os filmes escolhidos para o certâme norte-americano torna-se motivo de debate aceso e a própria cerimónia alvo de críticas – mais ou menos justas. No Shifter seguimos a tendência e emulámos a discussão entre 4 habituais redactores.

João Ribeiro: Para se criticar os Óscares em 2020 sem se cair em futilidades ou acusações gratuitas é preciso distanciarmo-nos um pouco e perceber que, mais do que um evento, a celebração anual levada a cabo pela academia é um fenómeno social que com epicentro nos Estados Unidos da América se propaga por restantes países. Portanto devemos analisá-lo no seu contexto e focar a questão nos que mediaticamente alimentam esse fenómeno. Acho que os Óscares, mais do que qualquer outro fenómeno cultural, mostram o encanto dos media europeus pelo que vem do outro lado do Atlântico. O que não deixa de ser curioso, dado a grande quantidade de festivais de cinema de relevo que existe em solo europeu – de Cannes a Locarno. Leva-me a questionar se os europeus se revêem na sua cultura mas isso é outra conversa. Quanto ao evento propriamente dito, parece-me um espelho da realidade em que é criado – uma indústria cinematográfica com dinheiro para produções megalómanas, que se tenta reinventar permitindo a entrada de 1 ou 2 outsiders a cada ano, mas que continua nos pequenos detalhes a revelar por um lado a sua inércia, por outro o que a faz mover. Não deixa de ser, de certo modo, frustrante que continue a ser um evento tão auto-centrado a marcar de forma mais significativa o calendário. Não é que os outros festivais não tenham defeitos, é porque não têm atenção.

Duarte Cabral: Uma coisa que deriva do João escreveu é o (suposto) esforço por parte da organização dos Óscares para ser mais inclusiva nas suas nomeações. Isto é, haver um maior número de mulheres e POCs nas seleções finais para os prémios de Melhor Guião, Ator/Atriz e Realizador. Esta é uma lenga-lenga que dura há já uns 2-3 anos, e não é foi neste que se saltou da conversa para a ação, porque as nomeações deste ano sofrem de lacunas que são, no mínimo dos mínimos, bastante gravosas. 

A mais séria, pelo menos a meu ver, é a não-nomeação de Greta Gerwig para o Óscar de Melhor Realizador pelo seu trabalho em Little Women, um dos filmes mais expressivos e dinâmicos dos últimos anos, cujo entusiasmo contagiante consegue agarrar a atenção da audiência mais cínica. Entretanto, vemos nomeado nesta respetiva categoria Todd Philips, quando aquilo que faz é uma emulação algo descarada daquilo que Scorsese fez (e com muito mais sucesso) em Taxi Driver e The King of Comedy.

Mas lá está, isto não se fica pela omissão a Gerwig: Lulu Wang e o seu excelente The Farewell não tiveram uma única nomeação, a atriz Cynthia Erivo foi a única POC a obter uma nomeação nas categorias de melhor interpretação, nenhum dos atores de Parasite (um dos melhores casts de 2019) foi mencionado, e depois existem The Last Man in San Francisco, Honey Boy, Hustlers, Booksmart, Portrait of a Lady on Fire, Dolemite is My Name, todos filmes que mereciam no mínimo uma menção nem que fosse honrosa, mas não… Ao invés disto, existem Bombshell, Judy e Richard Jewell a encher as nomeações, quando daqui a uns meses já terão sido corridos à vassourada da nossa memória coletiva, destino que aguarda sempre 95% dos candidatos a cada edição dos Óscares. Mas quando a larga maioria dos membros da academia são homens, são brancos e já têm uma idade algo avançada, está-se à espera do quê afinal?

Edgar Almeida: A beleza dos Óscares reside na capacidade que o evento tem de colocar toda a gente a discutir cinema com uma paixão que fica adormecida o resto do ano, mantida viva por alguns cinéfilos. Mas a verdade é que todos estamos habilitados para essa discussão, e nem é necessário ver os filmes, dado que há estudos que indicam que 6% dos membros da academia também não o fazem, mesmo após as nomeações. A única diferença é que nós não somos alvos de campanhas de charme de milhões de dólares que têm um peso enorme no resultado final. Não sendo completamente linear a relação entre dinheiro gasto e prémios arrecadados, é um facto inegável, mesmo pelas pessoas do meio, que sem  a campanha certa é impossível ser sequer nomeado. Todo o espetáculo destes prémios é um espelho da indústria cinematográfica, cheia de histórias secundária sobre actores que ficam magros ou gordos e filmes que demoraram uma vida a ser feitos cheios de contratempos, projetos pessoais movidos por paixão, e filmes revelação de festivais independentes ou estrangeiros que geram expectativas mas nunca ganham nada. No fim, além de tudo isso, a conversa sobre os filmes que deviam estar e os actores que foram preteridos injustamente, e a falta de diversidade gritante nos nomeados, acabam por ofuscar os filmes que deveriam ser as estrelas da festa. Com a perda de audiências a cada ano, as polémicas que fazem a cerimónia ir para o segundo ano seguido sem apresentador e uma espécie de crise de identidade duradoura que faz uma cerimónia supérflua ignorar os “blockbusters” que mantêm a máquina sã por snobismo, os Óscares vivem os tempos mais dramáticos desde o seu começo.

Rita Pinto: Não sei se a cerimónia de entrega de Óscares deste ano será mais ou menos criticável que a de anos anteriores, as críticas são as mesmas de sempre: a falta de nomeados estrangeiros, a falta de representação étnica e feminina, há os snubs injustificáveis, os personae non grata do costume e um acumular de problemas que contribuem para uma crise identitária da cerimónia (e da indústria norte-americana), que começa na “preparação” para o evento e culmina na entrega dos prémios. Falo em preparação porque, todos os anos, temos os filmes feitos para Óscar e os outros que por terem este ou aquele ator, este ou aquele produtor, têm de levar para casa algum tipo de reconhecimento, nem que seja um prémio de guarda-roupa. Este sistema edificado de prémios de consolação tornam a cerimónia cada vez menos entusiasmante para quem gosta de cinema, e muito tendenciosa para quem vê nos Óscares o seu índice de recomendações cinematográficas.

É fácil prever o que vai acontecer (não só pela forma regular com que os Globos de Ouro e os BAFTA acabam por antecipar os vencedores), mas porque até as surpresas seguem padrões antigos. Todos os anos, a academia deixa entrar uns poucos nomes menos consensuais para fingir que está aberta a experiências, mas depois embatem em entraves e preconceitos destes, e nós acenamos e andamos.

Qualidade é o conceito mais discutível de sempre, mas importa dizer que, apesar de tudo, há muito bom cinema na lista de nomeados dos Óscares 2020: do storytelling de Greta Gerwig em Little Women, à experimentação técnica de Sam Mendes em 1917, à magia geral de Parasite de Bon Joon Ho. Mas até que ponto é que o Óscar continua a ser o expoente máximo da garantia de qualidade de um filme? Precisávamos mesmo de ver o cinema coreano distinguido na cerimónia de prémios da indústria cinematográfica norte-americana para o ver com a credibilidade que merece desde os anos 80?

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