Como Frank Sinatra mudou a forma como se consome música 

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Como Frank Sinatra mudou a forma como se consome música 

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In The Wee Small Hours é uma ode perfeita à solidão e à melancolia dos sentimentos de um homem quebrado e angustiado com a sua vida amorosa e pessoal. A experiência do álbum não se resume à música, completa-se na capa, no título e no nome de cada faixa. 

O conceito de álbum musical está tão assente na nossa cultura que nunca paramos para pensar que houve tempos em que se consumia música de forma diferente; na verdade, até há bem pouco atrás. Já no tempo dos gira-discos, a verdade é que até à década de 50, o mais comum era os artistas juntarem uma seleção de singles e lançá-los num “pacote” maior, com o intuito de facilitar o trabalho do consumidor, permitindo que se levantassem menos vezes para mudar o lado do vinil. Inevitavelmente, isto fazia com que álbuns coesos com um tema central fossem ainda um conceito bastante abstrato.

Entre 1954 e 1955, Sinatra passava por uma altura bastante negra da sua vida. Estava prestes a entrar no seu quadragésimo aniversário, o que despertou em si a realização de que estava rapidamente a envelhecer e a perder anos de vida; e a relação que mantinha com Ava Gardner sofrera uma ruptura considerável depois de se descobrir que se tinham traído mutuamente. Este cocktail de emoções levou-o até um estado mental bastante debilitado e as suas restantes energias foram canalizadas em tentar capturar esse sentimento com a sua arte. No entanto, Sinatra não queria fazer o que era costume na altura e queria reiterar uma ideia que já tinha começado a desenvolver com o seu primeiro álbum, The Voice. O artista tinha vontade de fazer algo algo que levasse a sua audiência a reconhecê-lo como uma pessoa real, alguém que por vezes se sente vulnerável e melancólico. Sinatra criou então um dos primeiros álbuns conceptuais de sucesso e mudou completamente a forma como se consome música. 

In The Wee Small Hours é uma ode perfeita à solidão e à melancolia dos sentimentos de um homem quebrado e angustiado com a sua vida amorosa e pessoal. A experiência do álbum não se resume à música, completa-se na capa, no título e no nome de cada faixa. 

Comecemos por observar a experiência visual a que a capa do álbum nos remete. Na década de 50, capas de álbuns eram bastante simples de conceber: pegava-se numa fotografia do artista, coloria-se o fundo com uma cor viva e, por fim, colocava-se o título em grande no meio da capa. Neste projeto a abordagem foi diferente: a palete de cores utilizada é azul, uma cor associada a tristeza e melancolia e, apesar de ter uma imagem do artista, não temos uma visão imediata da sua cara jovial, como era comum ver em peças desta década. Está com um ar abandonado, quebrado, deprimido, de perfil. Percebemos de imediato que este não é um álbum para uma festa, nem um álbum para quando estamos felizes, mas sim um álbum para tocar quando nos sentimos mais vulneráveis ou tristes com a nossa vida pessoal. Seja por relações falhadas ou outro tipo de mágoa que nos esteja ainda presa na garganta. Na capa vemos um Frank Sinatra com um olhar pesado, a fumar um cigarro, numa cidade aparentemente deserta devido ao avançado da hora, presumimos. Percebemos que este Sinatra da capa muito provavelmente deambulou pela cidade durante horas sem fim, sentindo simplesmente a sua tristeza, sem procurar soluções, aceitando o conforto de caminhar sozinho, durante aquelas horas finais (ou iniciais) do dia, em que não se vê vivalma.

Quando abrimos por fim a tracklist, o tema fica ainda mais vincado. Títulos como “Glad To Be Unhappy” ou “I’ll Never Be The Same” deixam qualquer um triste sem hesitação. Quando por fim deixamos a tocar o álbum, depois de toda esta experiência, à época quase sem precedentes, a voz melódica e suave de Sinatra invade os nossos ouvidos no tom em que imaginámos desde que pusemos vista na capa deste projeto.

É importante referir que esta visão que Sinatra deu ao mundo de si mesmo é também algo que nunca tinha acontecido: antes deste álbum, o músico (e as celebridades no geral) era visto como uma pessoa extremamente animada, sem um único problema na sua vida, invejado por um país inteiro. Mas em In The Wee Small Hours, Sinatra mostrou ser uma pessoa, frágil como todos nós. 

Para além de tudo isto, Sinatra quis inovar ainda um pouco mais. Na década de 50, o mais habitual era que a música Pop fosse lançada em vinis de 10 polegadas e a música designada como “séria” (como música clássica) em vinis de 12 polegadas. Apesar de inicialmente ter sido lançado como dois discos de 10 polegadas, In The Wee Small Hours foi mais tarde lançado como um único disco de 12 polegadas porque Sinatra queria, mais do que tudo, ser levado a sério com este álbum. Entretanto, esta decisão acabou por virar moda e os álbuns de música Pop e dos restantes géneros começaram todos a serem produzidos como discos de 12 polegadas.

Num mundo cada vez mais inundado por singles e por produção de álbuns em massa, com o único intuito de vender, é importante relembrar os primórdios da música como a conhecemos e os passos que demos até ao presente. Perceber a importância que cada elemento pode ter e o verdadeiro motivo porque se tornou numa norma que agora se vai perdendo. Especialmente num tempo em que a indústria está cada vez mais vocacionada para a monetização do artista, como se de um qualquer produto se tratasse. E para satisfazer a fome incessável, tanto do consumidor, como das entidades que deveriam apoiar os artistas, há que produzir música rapidamente, para ser consumida ainda mais depressa. É verdade que continuam a existir projetos sólidos, mais ambiciosos do que qualquer álbum que Sinatra, por exemplo, poderia imaginar; álbuns que revolucionaram completamente estilos de música e marcaram gerações. São estes os álbuns de que podemos continuar a desfrutar e a prestar atenção.

In The Wee Small Hours faz este mês 65 anos e revela-se tão relevante agora como na altura em que foi lançado. É verdade que se não tivesse sido Sinatra, provavelmente teria sido outro a começar esta “moda”, mas fico feliz que tenha sido este projeto, porque continuo a ter vontade de o tocar nos meus dias menos bons. 

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  • Pedro Caldeira

    Engenheiro Informático de profissão, Pedro Caldeira é um apaixonado por tecnologia e acima de tudo música. Escreve regularmente sobre temas relacionados com tecnologia disruptiva e sobre álbuns e artistas que o inspiram.

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