Porque está toda a gente com vontade de mudar de visual durante o período de quarentena?

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Foto de Markus Winkler via Unsplash

Porque está toda a gente com vontade de mudar de visual durante o período de quarentena?

Independentemente do motivo e do método, o desejo de mudar de visual, neste momento, não é apenas uma reação do nosso cérebro ao tédio. É mais do que isso, uma espécie de mecanismo de sobrevivência mais complicado.

Celebridades estão a fazê-lo, os teus amigos também. Há uma explicação para a onda de mudanças de visual deste período de quarentena que vai além do facto de os cabeleireiros e barbeiros estarem fechados. Claro que há quem tenha improvisado cortes de cabelo, barbas aparadas e colorações de supermercado por extrema necessidade, cansado de aparecer em reuniões de Zoom com raízes a preto e branco, pontas espigadas ou franja nos olhos. Mas do outro lado do espectro das makeovers estão os cortes drásticos de cabelo, a adoção do bigode ou da barba à lenhador, a pintura da unhas e, num limite extremo há quem esteja até a experimentar a arte dos piercings caseiros — algo que desaconselhamos desde já.

Independentemente do motivo e do método, o desejo de mudar de visual, neste momento, não é apenas uma reação do nosso cérebro ao tédio. É mais do que isso, uma espécie de mecanismo de sobrevivência mais complicado.

Na verdade, ainda não há nenhum estudo de alguém que se tenha dedicado a estudar mudanças de visual em massa durante uma pandemia global, mas a Wired cita Christopher Oldstone-Moore, que estuda Género e Cabelo, na Universidade Estadual de Wright em Dayton, Ohio, e relembra como as barbas estão associadas aos tempos antigos e medievais e, como se sabe, à masculinidade. Em momentos como o que vivemos, deixar crescer uma pode ser uma demonstração de resiliência. “Psicologicamente, pode ser uma espécie de declaração de coragem e sinceridade”, diz. “Uma maneira de dizer ‘eu sou forte, eu posso suportar adversidades’.” Componentes dessa mudança que exijam sofrimento físico real, como piercings ou tatuagens, podem assim desempenhar uma função semelhante.

O impulso para alterarmos a nossa aparência pode ainda reflectir o desejo de alterar a única coisa na nossa situação que é alterável neste momento. De acordo com Kim Johnson, professora emérita da Universidade de Minnesota, onde estudou a Psicologia Social da Moda, fazer uma mudança do género após um evento catastrófico ou traumático é comum. “As mulheres agredidas sexualmente frequentemente mudam de aparência após o ataque. É uma espécie de sentimento renovado de controlo”, diz Johnson citada pela Wired. “Aplicado ao Covid-19, o raciocínio pode ser: ‘Eu não posso controlar o vírus, mas posso controlar a minha aparência’.” As jornadas de exercício físico em que vimos muitos embarcar, por exemplo, podem ser entendidas da mesma forma.

Voltando aos homens e aos pelos faciais, Oldstone-Moore fala da chamada “quest beard” que, à falta de uma tradução literal para português, pode entender-se como a adopção de um estilo de barba específico para marcar a passagem de um tempo significativo – é comum entre atletas em fase de estágio, ou no início de um campeonato, ou para iniciativas como a No Shave November, por exemplo. “Diz ‘eu estou diferente, não sou a pessoa que costumava ser'”, diz Oldstone-Moore. “É a barba de Al Gore, a barba de David Letterman.” Ou do comediante Jon Stewart quando saiu do programa The Daily Show, ou de um actor entre trabalhos tipo isto. As pessoas estão a passar muito tempo sozinhas, com tempo também para reflectir, por isso seriam de esperar algumas epifanias estéticas…

Noutro ponto, não é como se fôssemos dar de caras com muita gente nos próximos dias, e o período de isolamento físico e social dá-nos tempo para deixar crescer ou retocar uma mudança de look menos bem sucedida. “O contacto entre pessoas é limitado, e podemos controlar quem nos vê ou não”, relembra Kim Johnson. “É uma boa altura para experimentar mudanças de aparência e, estando em quarentena por mais de um mês, as aparências podem voltar ao que eram antes e ninguém sequer saberia.”

“Uma das perguntas mais interessantes para mim é quanto do que experimentamos neste momento vamos agarrar e manter depois de isto tudo acabar”, diz Oldstone-Moore. As makeovers de quarentena podem até criar tendências! Por isso, força, muda de visual como se ninguém estivesse a ver.

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