Porque é que o petróleo está com preços negativos pela primeira vez na história

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Porque é que o petróleo está com preços negativos pela primeira vez na história

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Qual é o significado deste fenómeno, o que o causou e quais serão as consequências deste acontecimento para uma das indústrias mais valiosas do mundo.

No dia 20 de Abril de 2020 as notícias nas redes sociais afirmavam com os seus cabeçalhos sintéticos que o petróleo estava com preços negativos pela primeira vez na história. No meio de tanta informação e comoção, o Shifter achou por bem fazer este artigo para te tentar explicar esta situação, nomeadamente o que significa este fenómeno, o que o causou e quais serão as consequências deste acontecimento para uma das indústrias mais valiosas do mundo.

Noções básicas sobre comercialização do petróleo

O petróleo é das mercadorias mais trocadas e valiosas do mundo, tendo em conta que é a principal fonte energética da economia mundial. O seu preço é bastante sensível a variações de procura e oferta por uma série de acontecimentos desde eventos sociais, geopolíticos a fenómenos climatéricos, que afectem a sua produção e distribuição. A sua relação com a economia é bidirecional, o seu preço pode tanto ser afectado pela situação económica de um país, como a sua mudança por motivos externos pode causar uma derrocada da economia (por exemplo, países exportadores de petróleo que sejam confrontados como uma queda abrupta do seu preço podem ver a saúde das suas contas públicas a definhar).

Como o petróleo não provém todo do mesmo lugar, nem é todo igual em termos de qualidade (densidade e quantidade de enxofre), este é negociado a diferentes preços tendo em conta benchmarks associados a diferentes fontes. Os dois mais influentes são o West Texas Intermediate (WTI) e o Brent Blend, petróleo pouco denso e com baixa quantidade de enxofre (o que diminui custos com refinamento e torna o produto melhor para produção de combustível), provenientes dos EUA e do Mar do Norte. Normalmente o preço do petróleo WTI é superior ao do Brent pois tem custos de produção e transporte maiores, além de também ser de melhor qualidade, mas desde as polémicas inovações com o fracking que levaram ao aumento da produção de petróleo de xisto betuminoso que esta tendência se inverteu.

Neste ponto resta apenas referir que, sendo um produto tão necessário aos seus compradores, estes, para se protegerem das flutuações de preços, transaccionam o activo maioritariamente através de contratos de futuros. Este derivado financeiro é um contrato legal normalizado em termos de quantidade e qualidade do produto a que se refere, que firma a compra de uma mercadoria ou outro produto financeiro como obrigações num certo momento de tempo futuro a um preço determinado à partida. Com este contrato o comprador fica obrigado a pagar o preço e a comprar a quantidade definida à partida e o vendedor a vender essa mesma quantidade por esse mesmo preço, independentemente de o preço ter flutuado entretanto. Estes contratos podem ser usados para consumidores do produto ou ser detidos por especuladores que procurem lucrar com a flutuação do preço que não seja esperada por todos.

Então, o que significa o preço do petróleo estar negativo?

O preço do petróleo negativo que gerou o sobressalto mediático internacional foi o preço de contratos futuros a terminar em Maio do WTI. Isto significa que os compradores de petróleo americano não têm necessidade de comprar petróleo no futuro próximo, devido à baixa actividade industrial esperada. Como tal, teoricamente, estão dispostos a pagar para se livrar do excedente que têm armazenado e lhes provoca custos de armazenamento. Esta queda na procura deriva essencialmente de dois factores, um principal que acabaria por causar o secundário (uma espécie de efeito-causa).

O factor principal é a pandemia de Covid-19 que causou uma paragem da economia, diminuindo o consumo e a produção industrial. Com a paragem da produção, a necessidade de combustível diminuiu e os preços baixaram por alívio de pressão na procura.

O factor secundário advém da pandemia e é a guerra de preços entre a Arábia Saudita, líder de facto da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP), e a Rússia, país exportador de petróleo que até recentemente tinha um acordo com a OPEP denominado OPEP+, para fazer face aos baixos preços desde que os EUA começaram a explorar petróleo de xisto betuminoso. Como os preços já estavam a descer por causa do abrandamento da economia, a Arábia Saudita propôs uma diminuição da produção de petróleo à Rússia para manter os preços em níveis moderados. Como a Rússia não aceitou e recusou continuar as negociações, a Arábia Saudita começou uma guerra de preços, inundando o mercado, que levou a uma queda brutal dos preços de todos os tipos de petróleo (porque apesar de a qualidade ser diferente estes funcionam como bens substitutos, logo o preço de um afecta outro). Podemos concluir que este diferendo entre estes dois países está a causar um declínio no preço de petróleo, causado pelo declínio do preço de petróleo trazido pela pandemia de Covid-19.

Que consequências esperar da queda de preços?

Como podemos observar, a queda de preços neste momento é mais um indicador da saúde débil da economia mundial do que propriamente algo que poderá causar por si própria um problema.

Vivendo numa economia capitalista global é muito difícil dizer que o impacto que esta diminuição do preço de petróleo vai ter em países como a Rússia, a Arábia Saudita ou Angola não terá consequências na economia portuguesa, mas uma vez que Portugal não é um país com uma economia assente na exportação de petróleo, esta queda não terá efeitos imediatos no país.

Mas sendo as grandes petrolíferas empresas com ramificações por todo o mundo financeiro, por estarem cotadas em bolsa e por diversos fundos terem participações nestas, se forem gravemente afectadas por esta queda de preços isso poderá criar uma onda de choque que trará diversos problemas para toda a economia mundial.

Índice

  • Edgar Almeida

    Estudou Economia e trabalha para uma grande empresa para manter os seu vício pelo quotidiano. Tem sangue emigrante e define-se como urbano-serrano. Gosto de escrever sobre arte, entretenimento, economia e política.

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