Telhados inteligentes e sustentáveis: a nanotecnologia ao serviço da ciência

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Foto de Chuttersnap via Unsplash

Telhados inteligentes e sustentáveis: a nanotecnologia ao serviço da ciência

Será que conseguimos baixar a temperatura de uma divisão sem gastarmos eletricidade?

Com a chegada do verão, as nossas casas aquecem até ao ponto de termos de usar o ar condicionado no máximo. Mas será que conseguimos baixar a temperatura de uma divisão sem gastarmos eletricidade?

O aumento do uso de fontes de energia renovável tem de ser complementado com uma redução no consumo de energia elétrica de forma generalizada, permitindo uma redução mais acentuada das emissões de CO2. Desta forma, devemos tentar aumentar a eficiência energética em diferentes aspetos do nosso dia-a-dia, seja a deixar o carro em casa e a usar mais a bicicleta ou os transportes públicos, seja a usar eletrodomésticos mais eficientes ou a melhorar a forma como as nossas casas gastam energia. Atualmente, cerca de 45% do consumo de energia elétrica na Europa vem de edifícios em diferentes sectores, e a maior fatia deste consumo tem origem no aquecimento ou arrefecimento destes edifícios, correspondendo a cerca de 38% da utilização total de energia de consumo doméstico. Portanto, ao tornar estes edifícios mais eficientes termicamente, quer em novas construções quer em imóveis já existentes, podemos, assim, reduzir significativamente as emissões de CO2.

As perdas maiores de calor numa casa ocorrem pelas paredes, telhados, pisos, janelas e portas, devido ao uso de materiais de fraco isolamento térmico. As habitações podem tornar-se mais confortáveis se reduzirmos as trocas térmicas com o exterior e também os custos energéticos associados. Para isso, existem soluções de isolamento nas paredes, como camadas de ar ou madeira e o uso de caldeiras mais eficientes com controlo de temperatura. Mas novas tecnologias têm sido desenvolvidas para melhorar a eficiência energética de edifícios, usando materiais inteligentes que, de forma passiva, ajudam a regular a temperatura interna de uma casa.

Aaswath Raman no at TED2018 (foto de Bret Hartman/TED via Flickr)

Dissipação de calor para o espaço

Recentemente, uma das tecnologias para o controlo de temperatura em edifícios usa um fenómeno físico chamado arrefecimento radiante, ou seja, perda de calor de um objeto por radiação. Todos os corpos, por estarem a uma certa temperatura, emitem radiação eletromagnética, o que leva à troca de calor entre nós e o meio ambiente. É pela deteção destes infravermelhos emitidos pelas pessoas que as câmaras de infravermelhos conseguem medir a nossa temperatura corporal. Apesar de perdermos energia desta forma, não ficamos mais frios, porque absorvemos radicação que é emitida por outros corpos, ficando em equilíbrio térmico.

Contudo, este processo pode ser usado para transferir calor de um local quente para um local frio, sem que esta radiação seja reabsorvida. E que local mais frio temos do que o Espaço? Para isso, temos de usar uma característica especial da nossa atmosfera. Existe uma zona do espectro eletromagnético, na gama dos infravermelhos dos 8 aos 14 micrómetros de comprimento de onda, em que a radicação não é absorvida pela atmosfera, ou seja, existe uma “janela transparente” à passagem de infravermelhos. Várias equipas de investigação estão a criar revestimentos de materiais nanofotónicos, compostos por camadas sucessivas de metais e óxidos, que são capazes de maximizar a emissão de infravermelhos nesta janela transparente da atmosfera. Ao mesmo tempo, estas camadas funcionam como espelho à luz solar, o que permite que não aqueçam, mesmo quando iluminadas pelo sol. O professor Aaswath Raman, da UCLA, mostrou que, através desta característica, é possível baixar a temperatura de um dado objeto em cerca de 5 °C, mesmo quando diretamente sob o sol. Com mais investigação na área, Raman acredita ser possível chegar até aos 40 °C de diferença de temperatura. E como reduzir o uso de energia com este sistema? Além destas camadas poderem ser usadas para reduzir a absorção de calor num telhado ou numa parede, também podem permitir o arrefecimento de água e, assim, criar um sistema de refrigeração para diferentes equipamentos.

Telhas termocrómicas desenvolvidas em Portugal

Outra ideia desenvolvida nos últimos anos mostra que materiais termocrómicos, ou seja, que mudam de cor com a temperatura, permitem mudar a absorção de radiação solar e, assim, controlar a temperatura em diferentes estações do ano. Esta tecnologia usa telhas cerâmicas recobertas com nanopartículas de óxido de vanádio, o que permite alterar a reflexão da luz infravermelha com a temperatura. Quando a temperatura da telha é baixa, como num dia de inverno, a absorção da luz infravermelha emitida pelo sol é mais eficiente, permitindo o aquecimento da telha e, por consequência, do edifício onde está colocada. Com o aumento da temperatura da telha num dia de verão, para cerca de 40 a 50 °C, esta camada de nanopartículas altera as suas propriedades óticas e passa a refletir mais a luz infravermelha, o que resulta em menos calor absorvido pelo telhado, levando a um menor aumento da temperatura no interior da casa

Esquema cortesia de CENIMAT/i3N

Esta tecnologia foi desenvolvida em Portugal por um consórcio entre o laboratório CENIMAT/i3N da FCT NOVA liderado pela investigadora Elvira Fortunato, o Centro Tecnológico da Cerâmica e Vidro, e as empresas Glexyz e Umbelino Monteiro SA. O projeto mostrou que é possível criar este tipo de telhas termocrómicas, que conseguem refletir mais 2,4 vezes a radiação infravermelha quando estão quentes. Este tipo de tecnologia pode também ser incorporado em janelas de vidro, usando nanopartículas de diferentes materiais, para controlar a absorção de radiação infravermelha. Estes materiais poderão levar a ganhos de eficiência energética para o controlo da temperatura, reduzindo assim a energia utilizada, quer para aquecer como para arrefecer uma casa.

Embora já existam muitas ideias para melhorar as trocas de energia em edifícios, novas tecnologias têm de ser desenvolvidas. Estas soluções, que ainda não estão disponíveis no mercado, precisam ainda de investigação para maturarem e se tornarem economicamente viáveis. Contudo, serão fundamentais para o desenvolvimento de um novo tipo de edifícios mais eficientes e sustentáveis.

Referências:

  • Raman, A., Anoma, M., Zhu, L. et al. Passive radiative cooling below ambient air temperature under direct sunlight. Nature 515, 540–544 (2014).
  • Gonçalves, J. Resende, A.C. Marques, et al Smart optically active VO2 nanostructured layers applied in roof-type ceramic tiles for energy efficiency, Solar Energy Materials and Solar Cells, 150 (2016)
  • https://www.sciencedaily.com/releases/2017/09/170905145530.htm

Agradecimentos à Ana Carolina Marques e ao Manuel Xavier pela revisão do texto.

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  • João Resende

    O João Resende é investigador no AlmaScience, laboratório colaborativo sobre investigação e desenvolvimento em celulose para aplicações inteligentes e sustentáveis. O seu trabalho está focado na pesquisa de novos materiais para micro-eletrónica e tecnologias de captação de energia, com o objetivo de melhorar o desenvolvimento humano de forma sustentável, usando materiais abundantes na crosta terrestre.

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