Arménia e Azerbaijão ao microscópio. Seis perguntas e respostas sobre o conflito  

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Arménia e Azerbaijão ao microscópio. Seis perguntas e respostas sobre o conflito  

O mundo acordou este domingo com a notícia do reacendimento do conflito entre a Arménia e o Azerbaijão. Na base da querela está a província de Nargono-Karabakh. O Shifter preparou seis tópicos para contextualizar a relação problemática entre os países.

Este domingo, 27 de setembro, as forças da Arménia e Azerbaijão fizeram eclodir um conflito que nunca esteve adormecido, mas que parecia estar esquecido nos últimos anos. As tensões no Cáucaso recomeçaram quando ambos os países se atacaram na fronteira, na zona de Nagorno-Karabakh – a pedra no sapato que alimenta a guerra há várias décadas.

De acordo com a agência Reuters, o enclave de Nagorno-Karabakh afirmou que 16 soldados foram mortos e mais de 100 foram feridos depois de o Azerbaijão ter instigado um ataque aéreo na manhã deste domingo. Em resposta, a Arménia e o território em disputa decretaram lei marcial e a total mobilização da população masculina, noticiaram os órgãos internacionais. Por sua vez, o Azerbaijão argumentou que a atitude foi em resposta ao bombardeamento arménio, que teria matado cinco membros de uma família. O país também decretou lei marcial. Nesta nova investida, contabilizam-se, até agora, 39 mortos.

Os acontecimentos deste domingo não são atos isolados e surgem depois de décadas de conflito entre ambos os países, que continuam a disputar o território de Nargono-Karabakh. Como é que, afinal, surgiu este conflito e como é que a comunidade internacional está a reagir? O Shifter preparou um pequeno explicador sobre a tensão que ameaça a paz no Cáucaso.

Que valor damos à geopolítica e à história e como é que surgem estes países na agenda internacional?

O Azerbaijão e a Arménia são duas repúblicas independentes situadas na zona fronteiriça entre a Ásia e a Europa. Partilham um passado soviético e uma querela advinda de uma tomada de decisão de Estaline, que desiludiu os arménios.

Atualmente, vivem quase três milhões de arménios no território que, ao contrário dos seus vizinhos, se caracteriza por ter uma população maioritariamente fiel ao cristianismo. Faz fronteira com a Turquia, Geórgia, Azerbaijão e Irão. Mais a leste, o Azerbaijão soma quase dez milhões de pessoas de maioria islâmica. Confina com a Rússia, Geórgia, Arménia e Irão.

Depois da queda do Império Russo, perto dos anos 20 do século XX, a Arménia e o Azerbaijão conheceram o sabor da independência por muito pouco tempo. Ambos os territórios partilham um passado semelhante, principalmente em matéria de política soviética. Com a revolução bolchevique, a Rússia “recruta” as então 15 repúblicas para formar a nova União Soviética, incluindo estes dois Estados. O conflito adormece por cerca de 60 anos até à queda da URSS e esperança da independência por parte de Nargono-Karabakh.

A quem pertence Nagorno-Karabakh e como tem evoluído o conflito?

Nagorno-Karabakh é um enclave que, oficialmente, pertence ao Azerbaijão na atualidade, mas que já foi território arménio no passado. Lá, vive uma maioria arménia cristã que chegou a mostrar o desagrado por pertencer ao território do Azerbaijão, com quem não partilha a cultura e religião.

“Esse enclave, juntamente com outro mais a sul do país, fazia parte da Arménia. Por decisão de Estaline, esses enclaves foram retirados à Arménia e anexados ao território do Azerbaijão. Nos 60 anos seguintes, as duas nações viveram em paz, por assim dizer – não havia guerra, apenas conflitos menores”, contou Vahé Mkhitarian, presidente da Associação de Amizade Portugal-Arménia, em entrevista ao Shifter este ano.

https://shifter.sapo.pt/2020/04/vahe-mkhitarian-entrevista-genocidio-armenia/

Os habitantes de Nagorno-Karabakh, que atualmente são cerca de 150 mil, não ficaram indiferentes e decidiram convocar um referendo sobre a geopolítica do território. “Como a região nunca fez parte do Azerbaijão antes da criação da URSS, os arménios de Nagorno-Karabagh – ou Artsakh, como se chama a região na Arménia – declararam independência e apelaram à reunificação com a Arménia”, continua Vahé. Em 1991, ganhou o “sim” a favor da independência, mas a decisão acabou por se revelar ilegítima, uma vez que o Azerbaijão não autorizou o referendo.

A guerra entre os países matou cerca de 30 mil pessoas e estendeu-se de 1988 a 1994. Primeiro, de forma menos violenta. Mas com a desintegração da URSS, os confrontos foram evoluindo ao mesmo tempo que a União Soviética via outros países declararem a independência. As tensões aumentaram no Cáucaso, assim como na zona báltica.

Ainda hoje, no Azerbaijão, se presta homenagem às vítimas do Janeiro Negro, um acontecimento histórico que, em 1990, resultou em vários confrontos em Baku, capital azerbaijana. Forças soviéticas entraram na cidade com o objetivo de conter a guerra em curso.

O cessar-fogo aconteceu em 1994. “No final da guerra, a Arménia já controlava não só o enclave, mas também uma extensão de 10% do território azerbaijano. Depois de perder o território, o então presidente do Azerbaijão pediu um cessar-fogo. Esse tratado foi assinado em maio de 1994, mediado pelo grupo do Minsk do OSCE [Organização para a Segurança e Cooperação na Europa]. Desde daí, o conflito está quase congelado”, dizia Vahé. Agora, reacendeu-se a chama dos confrontos.

Setembro de 2020. O que é que está a acontecer agora?

O início da nova fase do conflito parece não ter uma origem confirmada e ambos os países continuam a culpabilizar o “adversário” pelos novos confrontos. A Arménia já referiu que o Azerbaijão atacou civis em Stepanakert, capital do enclave em disputa. O Azerbaijão acusa a Arménia de fazer ataques na linha fronteiriça do território, explica a Reuters.

Através do Twitter, Nikon Pashinyan, Primeiro-Ministro arménio, fala em invasão: “Permanecemos fortes ao lado de nosso exército para proteger a nossa pátria da invasão azerbaijana”.

A evolução resultou na mobilização da população masculina e decretação da lei marcial, na qual os militares assumem a autoridade, tanto na Arménia como em Nagorno-Karabakh. Citado pela BBC, o Primeiro-Ministro arménio acusa o Azerbaijão de “agressão planeada” e fez um apelo: “Preparem-se para defender a nossa pátria sagrada”.

Ainda no domingo, a Arménia disse que abateu dois helicópteros, três drones e três tanques azerbaijanos. O Ministério da Defesa do Azerbaijão confirmou a destruição de um helicóptero, mas negou os restantes abates. O Presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, referiu estar confiante sobre o desfecho do conflito: “Estou confiante de que a nossa operação de contraofensiva bem-sucedida acabará com a ocupação, com a injustiça, com a ocupação de 30 anos”, disse, citado pela BBC.

O mais recente conflito entre os países foi a Guerra dos Quatro Dias, em 2016, e “foi uma tentativa do exército azerbaijano de reconquistar o território – que não conseguiu”, disse Vahé. Nesse ano, os confrontos mataram cerca de 200 pessoas.

Como é que a comunidade internacional está a reagir?

Ao redor do globo, vários chefes de Estado estão a tomar posições sobre a mediação do conflito. Segundo a agência Reuters, Vladimir Putin, Presidente da Rússia, já teve oportunidade de falar com o Primeiro-Ministro arménio. Por outro lado, o Presidente turco, Tayyip Erdogan, já conversou com Aliyev – ao longo da história, a Turquia permaneceu como aliada do Azerbaijão por não reconhecer o genocídio arménio, perpetrado pela antiga Turquia. Erdogan já referiu que a Arménia é “a maior ameaça à paz na região” e pediu “que o mundo inteiro apoie o Azerbaijão na sua batalha contra a invasão e a crueldade”.

A União Europeia, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa e o Papa Francisco já pediram que os países retomem as negociações de paz e abandonem as ações militares.

No ocidente, os EUA também já apelaram ao fim do conflito. “Estamos a olhar para isto com muita firmeza”, disse Donald Trump. Também o candidato à presidência norte-americana, Joe Biden, exige que a Rússia “pare cinicamente de fornecer armas a ambos os lados”.

Segundo a BBC, António Guterres, atual Secretário-Geral da ONU, disse estar “extremamente preocupado” com a situação. Também a França pediu o fim dos confrontos e o Irão ofereceu-se para ser mediador do conflito.

A zona onde ocorrem os confrontos é muito importante em termos estratégicos. Porquê?

A comunidade internacional tem vindo a demonstrar o receio de uma escalada de violência que possa evoluir para uma situação de guerra. A verdade é que a zona da Arménia e do Azerbaijão são peças fundamentais para a comunidade internacional, principalmente para os seus vizinhos geográficos. A Arménia receia uma intervenção da Turquia no conflito.

À Al Jazeera, Thomas de Waal, membro da Carnegie Europe com especialização na Europa Oriental e na região do Cáucaso, explica a preocupação: “É uma região de importância internacional, que na verdade se tornou mais importante internacionalmente nos últimos 25 anos por causa dos oleodutos e gasodutos [que passam] por ela”.

As potencialidades do Cáucaso não ficam por aqui. “Se colocar a Armênia e o Azerbaijão no mapa e der uma olhada, é estrategicamente muito importante. Tem a Turquia a oeste, o Irão ao sul, a Rússia a norte e enormes quantidades de reservas de hidrocarbonetos do Cáspio a leste, que transitam pelo Cáucaso, muito perto de onde os combates estão a ocorrer agora”, diz Robin Forestier-Walker à mesma agência.

Thomas de Waal explica ainda que se vier a ser verdade que o conflito se reacendeu por culpa do Azerbaijão, então o motivo pode estar nos EUA: “Cinicamente, pode-se dizer que, se o Azerbaijão lançou uma ofensiva militar, uma das razões pelas quais pode ter feito isso é porque os EUA estão muito desligados no momento”.

Como é que o conflito já influenciou acontecimentos mundiais?

Quem não conhece a difícil relação entre o Azerbaijão e Arménia foi apanhado desprevenido neste domingo, com ações militares a ameaçarem a paz. Ainda assim, o conflito, apesar de não ser novo, também teve os seus momentos de mediatização pelo mundo.

Em 2019, o jogador do Arsenal Henrikh Mkhitaryan recusou-se a disputar a final da Liga Europa. De origem arménia, o futebolista considerou que não estavam reunidas as condições de segurança para se deslocar a Baku, capital do Azerbaijão e cidade onde iria decorrer o jogo de futebol.

https://shifter.sapo.pt/2019/06/nagorno-karabakh-liga-europa/

Já na música, o Festival Eurovisão da Canção “coleciona” alguns momentos onde a política se sobrepôs à dinâmica apolítica do programa. De entre os momentos mais conhecidos, destacam-se a recusa da Arménia em participar na edição de 2012 por esta se realizar em Baku, depois da vitória do Azerbaijão em 2011. Mais recentemente, em 2016, o conflito volta ao palco do festival depois de a concorrente arménia carregar consigo a bandeira de Nargono-Karabakh: uma das bandeiras proibidas na arena da Eurovisão pela União Europeia de Radiodifusão.

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  • Gabriel Ribeiro

    Licenciado em Ciências da Comunicação e sempre com a câmara na mochila. Acredito que todos os locais e pessoas têm “aquela” história. Impulsionador da cultura portuguesa a tempo inteiro.

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