Tecnologia da Google confirma hipótese científica com 50 anos

Tecnologia da Google confirma hipótese científica com 50 anos

Para se ter uma ideia da aplicabilidade prática desta descoberta, com este sistema de predição da estrutura de uma proteína é possível que laboratórios de investigação percebam o formato tridimensional das proteínas com diferentes origens com que trabalham, permitindo mais facilmente o desenvolvimento de novas terapêuticas, por exemplo.

Num desafio bi-anual participado por cerca de 100 grupos de investigação, a Google, mais especificamente o projecto AlphaFold, resolveu uma complexa questão da biologia há muito por resolver, o Protein Structure Prediction. AlphaFold é o nome do programa desenvolvido pela Google, através da sua subsidiária Deepmind, para pôr os seus algoritmos e capacidade computacional a tentar resolver complexas questões da biologia envolvendo proteínas, treinados a partir de cerca de 170 mil exemplos de sequências e estruturas de proteínas disponíveis em repositórios públicos.

Foi num artigo publicado na revista Nature que chegou ao conhecimento público o feito alcançado pelo sistema de inteligência artificial operado pela Google. John Moult, criador do programa Critical Assessment of Structure Prediction (CASP) que desde 1994 promove a utilização de tecnologia computacional para a resolução desta operação, foi peremptório no anúncio dizendo que este avanço é muito significativo. Mas afinal o que é o CASP?

No discurso de aceitação do Nobel da Química, em 1972, Christian Anfisen afirmou que, em teoria, a estrutura de aminoácidos de uma proteína devia determinar a sua estrutura. Sucintamente, o químico afirmava que conhecida a sequência unidimensional de aminoácidos seria possível determinar a estrutura tridimensional da proteína, fintando outras técnicas e métodos de chegar a este resultado. Durante mais de 50 anos esta hipótese permaneceu no campo da teoria, mas os resultados agora obtidos pela IA podem significar um novo capítulo nesta exploração.

O CASP, programa de incentivo, decorre de forma bi-anual desafiando várias equipas de investigadores a resolver este complexo problema por se acreditar no seu potencial para desbloquear outros avanços científicos de modo exponencial. Já em 2018, na sua primeira participação, a equipa da DeepMind tinha revelado uma boa performance, mas os resultados apresentados agora, em 2020, parecem ser ainda mais promissores no que toca à aplicabilidade prática da descoberta. Estima-se que a confirmação desta hipótese, e o desenvolvimento de sistemas computacionais que a permitam pôr em prática, pode representar avanços significativos nomeadamente na medicina e bioengenharia.

Ao determinar computacionalmente a estrutura tridimensional de uma proteína dando apenas informação sobre os aminoácidos, o sistema permitirá poupar tempo e recursos em ambiente laboratorial, permitindo aos investigadores com acesso a esta ferramenta queimar etapas de um processo habitualmente moroso.

Segundo o artigo da revista Nature, onde se conhece um pouco mais sobre a forma como esta descoberta foi atingida, este breaktrough que nas notícias é commumente rotulado como “um feito da IA” pode, tecnicamente, ter uma outra base. Se em 2018 o AlphaFold aplicava o conhecido método de inteligência artificial deep learning, desta vez, John Jumper, coordenador do projecto da DeepMind, revelou que foi utilizado um modelo de “consenso” para prever a estrutura das proteína, e que foi posteriormente acoplado a um sistema de inteligência artificial que adicionava à equação as restrições físicas e geométricas que determinam as “dobras” de uma proteína. Com tudo junto (consenso mais restrições determinadas pela IA), o algoritmo da AlphaFold revelou uma capacidade de previsão da estrutura proteíca com cerca de 90% de acerto.

Para se ter uma ideia da aplicabilidade prática desta descoberta, com este sistema de predição da estrutura de uma proteína é possível que laboratórios de investigação percebam o formato tridimensional das proteínas com diferentes origens com que trabalham, permitindo mais facilmente o desenvolvimento de novas terapêuticas, por exemplo. Andrei Lupas, biológo no Max Planck Institute for Developmental Biology em Tübingen, na Alemanha, revelou que o Grupo 427 (como ficou conhecida a resposta da AlphaFold ainda em anónimo) foi capaz de determinar a estrutura de uma proteína de origem bacterial em apenas 30 minutos, ao passo que a sua equipa de investigação estava há décadas a tentar chegar a este resultado.

Se por um lado estes avanços tecnológicos com aplicação na medicina são sempre motivo de celebração para a humanidade porque permitirão a criação mais eficaz de terapêuticas e fármacos para problemas conhecidos, a verdade é que não podemos desprezar as questões éticas que lhes surgem associadas. É o que nos lembra Aral Balkan, o programador e crítico de tecnologia que, em jeito de piada, lança a reflexão sobre como estes avanços nas mãos de uma empresa monopolista podem desacelerar a sua regulação noutros sectores. A assimetria de poder, ao nível da capacidade de desenvolvimento e investigação, com a Google a dominar em mais um sector dá ainda mais argumentos à empresa nas importantes questões políticas com que se vai debatendo – dentro e fora dos Estados Unidos da América.

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  • João Gabriel Ribeiro

    O João Gabriel Ribeiro é Co-Fundador e Director do Shifter. Assume-se como auto-didacta obsessivo e procura as raízes de outros temas de interesse como design, tecnologia e novos media.

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