Há um nome para o acto de apoiar uma causa por pressão social, sabe como evitar o ‘Optical-Allyship’

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Há um nome para o acto de apoiar uma causa por pressão social, sabe como evitar o ‘Optical-Allyship’

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Mireille Cassandra Harper, escritora e editora norte-americana, elenca alguns dos cuidados que devemos ter quando nos expressamos sobre fenómenos que se tornam virais, para que o foco se mantenha no importante e não façamos da nossa manifestação um momento de adereço.

Esta semana, que todos pensávamos que ficaria marcada como mais uma no longo caminho de desconfinamento, o mundo foi surpreendido com uma triste cena de violência policial nos Estados Unidos da América que acabou com o assassinato de George Floyd. O caso gerou revolta no estado do Minnesota e rapidamente se alastrou por dezenas de cidades um pouco por todo o mundo. Como não podia deixar de ser no momento em que vivemos, o caso também chegou rapidamente às redes sociais através do Movimento Black Out Tuesday, provocando uma terça-feira agitada, pontuada tanto por aqueles que se juntaram ao movimento como pelas discussões sobre os que não o fizeram.

Toda esta dispersão dos protestos e estas novas formas de expressão online são matéria para reflexão sobre a efectividade das tácticas, e nesse contexto importa sublinhar o conceito de Optical-Allyship — ou, em português, aliança-óptica. Apesar de ser um conceito relativamente desconhecido é algo simples de perceber, definindo-se como um apoio táctico a uma causa motivado mais por pressão social ou tentativa de modelação da imagem de uma pessoa do que por adesão à causa propriamente dita. Algo que, quando os fenómenos se tornam virais, se torna extraordinariamente dificilmente de discernir.

Se é certo que não há, nem deve haver, um catálogo exclusivo de expressões que sejam mais legitimas que as demais, não deixa de ser importante reflectir sobre o carácter de cada uma delas — até para que os assuntos não se resumam a uma sombra da discussão. Por isso, Mireille Cassandra Harper, escritora e editora norte-americana, fez uma lista de recomendações para evitar alianças oportunistas. Num post de Instagram, a afro-americana elenca alguns dos cuidados que devemos ter quando nos expressamos sobre este assunto, para que o foco se mantenha no importante e não façamos da nossa manifestação um momento de adereço.

No Shifter tememos que assim pudesse ser interpretado parte do nosso trabalho e é por isso que por aqui começamos a nossa cobertura. Começando por perceber o que podemos fazer que possa, realmente, contribuir para uma causa que reconhecemos como justa, de uma perspectiva ampla e global – que contribua, seja como for, para o futuro de uma forma construtiva.

O primeiro ponto para evitar este tipo de aliança é reconhecer a possibilidade de algumas das expressões de protesto serem puramente tácticas — Mirielle recorre à citação de Latham Thomas que clarifica a ideia de que para um momento de protesto ser efetivo deve ir para além da superfície visível e propor um distanciamento das regras de funcionamento anteriores. No segundo ponto, a escritora lembra-nos da importância da ideia de comunidade, incentivando quem quer ajudar a contactar os seus amigos, familiares ou conhecidos afro-descendentes, oferecendo-lhes apoio emocional.

O terceiro e quarto pontos são, por assim dizer, mais chatos. Mireille sugere que um protesto ou uma revolução são algo mais trabalhoso do que um simples de post de Instagram. Assim, impele os aliados a fazerem o seu trabalho interno, de reflexão e assunção de uma certa parte de culpa que motive a mudança do mindset. Pede ainda que se leiam as obras anti-racistas para que esta oposição seja feita de forma informada e articulada, e que vá para além de uma reivindicação simplista.

No quinto e sexto ponto, Mireille pede para que não se partilhe conteúdo traumático ou demasiado gráfico, e que se apoie financeiramente as organizações que trabalham no terreno. Esta primeira ideia parece simples mas é importante de perceber. Evitar partilhar conteúdo demasiado visual ou gráfico permite que a discussão em torno do assunto seja sobre as causas mais do que sobre as consequências. Para além disso este tipo de conteúdos, como escreve, promove ainda mais a desumanização dos negros que neles são visados.

O sétimo e oitavo ponto, apesar de surgirem para o fim da lista, representam dois argumentos muito importantes. O sétimo lembra-nos de que esta luta não é sobre cada um de nós pessoalmente; em expressões de revolta mais emocionais podemos incorrer na tendência de empolar as nossas questões pessoais e olvidarmos o nosso privilégio — se a intenção pode ser boa, o resultado é um dispersar da mensagem central em troca de uma série de mensagens pessoalizadas. Como diz Meirelle, estes não são os momentos para cada um contar as suas histórias pessoais, mas antes para que haja uma concentração em torno dos argumentos e reivindicações principais que surgem orgânica e colectivamente no seio dos protestos. O oitavo ponto vem em sequência, lembrando-nos que depois do momento de altercação passar, as lutas se mantêm e que quem quer realmente apoiá-lo não pode fazê-lo apenas no calor do momento. Mireille lembra que é importante continuar a apoiar as vozes dissidentes depois do mainstream deixar de considerar o assunto e de lhe dar atenção.

Por último, mas não menos importante, ficam duas dicas que se aplicam a qualquer assunto. O 9º ponto lembra-nos que os protestos construtivos não sei baseiam em discursos de ódio e que por isso, organizações que perfilem este tipo de narrativa não devem ser a escolha para o nosso apoio. Mireille sugere que o apoio seja dado a quem realmente apoia a causa, mais do quem a usa para se promover. Por último, volta a tocar no ponto da longevidade da luta e sugere que quem quer realmente bater-se pela causa deve preparar uma estratégia de longo prazo, que possa aplicar ao longo do futuro – seja contribuindo para literacia, fazendo voluntariado, dando corpo a projectos que apoiem a causa, a escritora reitera a ideia de que é preciso mais do que um dia de indignação.

Embora estes pontos sejam, de certa maneira, uma forma de atrito para quem se quer juntar aos protestos, acabam por ter um efeito de ponderação muito importante, porque tal como os protestos que saem à rua revoltados pela morte de George Floyd mas assentes num passado histórico que consubstancia a reivindicação, é preciso que as expressões de apoio não se transformem num momento espectacular e, especialmente, efémero, de adesão a um movimento por simpatia ou pressão social. Ou, no caso das marcas, para que esta não seja uma forma de capitalização de um momento de revolta sem uma acção articulada condigna.

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